Você conseguiria viver com R$ 5 por dia?
Brenda Fucuta
09/11/2019 04h00
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"E a verdade é que essa estranha vontade que eu tinha quando pequeno –a de dar uma segunda chance ao que não tem nem vai ter segunda chance– é uma das coisas que impelem a minha mão também agora –toda vez que sento para escrever uma história." Amós Oz, no livro "De Amor e Trevas"
No último texto que escrevi, sobre a desigualdade social, fui chamada de comunista. Bem, para quem pensa assim, vou explicar: assim como a história, não sou a favor do comunismo. É muito mais simples. A desigualdade torna o mundo instável e insustentável. Sou a favor de um modelo econômico que diminua a distância entre os muito ricos e os muito pobres. Sinceramente, estranho quem não seja.
Nesta semana, o IBGE divulgou dados mostrando que, em 2018, mais de 13 milhões de pessoas, em um contexto de renda familiar, vivem com menos de R$ 145 por mês –o que não chega a R$ 5 por dia (segundo as referências internacionais usadas pelo IBGE, esse valor pode alcançar R$ 7 por dia). São os extremamente pobres, 6% da população. Quem ganha de R$ 145 até R$ 420 é "apenas" pobre e corresponde a um quarto da população brasileira.
Por outro lado, o grupo dos 10% mais ricos superou seu desempenho histórico em 2018, alcançando o maior valor de renda mensal desde 2012: R$ 5.764. Fazendo uma conta simples, de pura divisão por 30 dias, chegamos a R$ 192 por dia. Não é lá grande coisa também. Mas, se formos até a renda dos 1% mais ricos, teremos uma realidade bem diferente: o ganho médio ultrapassa R$ 27 mil por mês, quase R$ 1.000 por dia, arredondando a conta pra cima.
O que se consegue comprar com R$ 5 por dia? Dá para pagar a passagem de ida de ônibus, mas não dá para completar a volta. Dá, em São Paulo, para comprar 200 g de carne de primeira, segundo o site da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado. Dependendo do supermercado, a gente consegue comprar entre 1 kg ou 2 kg de arroz. Mas não consegue comprar um par de meias nem uma calcinha ou uma cueca. Também não consegue comprar uma cartela de 4 a 6 remédios antigripais.
E quem vive nessa condição? Sete a cada dez pessoas que vivem na miséria são pretos e pardos. Sete a cada dez com maiores rendimentos (o grupo dos 10% que citei acima) são brancos. E, no pior dos quadrantes, está a mulher preta ou parda que cria seus filhos sozinha.
Com isso, espero que parem de dizer que machismo e racismo no Brasil são mimimi. Não são. Machismo e racismo produzem estatísticas aberrantes e não há como negá-los diante desses dados do IBGE.
Voltando à inspiração dada pelo escritor israelense Amós Oz, espero também ver pretos, pardos e mulheres tendo uma segunda chance de viver em uma sociedade mais humana, ética e justa. E, finalmente, espero que você não seja contra isso.
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Sobre a autora
Brenda Fucuta é jornalista, escritora e consultora de conteúdo. Autora do livro “Hipnotizados: o que os nossos filhos fazem na internet e o que a internet faz com eles”, escreve sobre novas famílias, envelhecimento, identidade de gênero e direitos humanos. Além de entrevistar pessoas incríveis.
Sobre o blog
Reflexões de uma jornalista otimista sobre nossa vida em comum