Vinte minutos sem o celular: a vida ficou mais interessante
Foto: Liana Mikah/Unsplah
Cheguei 20 minutos mais cedo. Meu compromisso nem era muito importante, apenas uma reunião sobre projetos em comum com amigos. Mas cheguei cedo, o que nunca faço, e tem coisas que realmente não se explicam.
Estacionei em uma vaga a duas quadras do prédio. Abri a porta, arrumei a saia que estava um pouco apertada na barriga, praguejando um pouco por causa disso, e vi um café do outro lado da rua. Devia ser novo, difícil não ter reparado nele antes.
Bonitinho, alternativo, pequeno, do tamanho da garagem de alguém da família. Da mãe, provavelmente, que emprestou sua única casa para ajudar o filho que, apesar de ter quase 40 anos de idade, ainda não tinha encontrado um jeito de pagar seus boletos.
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Lá estava o café, com duas pequenas mesas de madeira na calçada, ao lado da placa onde alguém escreveu a giz: café coado, tapioca (orgânica), pão de queijo (artesanal), salada de fruta (da estação). Sobre as mesas, vasinhos baratos, mas charmosos, bem escolhidos, contendo um raminho de flor do mato. Junto, porta-guardanapos de cores berrantes, tipo Frida Kahlo (será que ganhou da ex?). A toalha de crochê singela – do brechó ou da avó – dava o toque vintage. Hipster, hipster, hipster.
Olhei o celular: 19 minutos adiantada. Muito tempo para esperar na recepção do prédio. Vou tomar o café coado, que ando gostando, e comer um pão de queijo no empreendimento hipster. Pedi o café coado.
– Não tem hoje, só o expresso.
– Então, um expresso, fraquinho, e um pão de queijo.
– Me desculpe, acabei de colocar no forno. E vai demorar de 20 a 30 minutos.
Avaliei a situação. Should I stay or should I go? (Devo ficar ou devo ir?, refrão clássico da banda The Clash.) Fiquei. Fiquei com peninha do rapaz, que bem podia ser meu filho – a barba, pelo menos, tinha o mesmo estilo descuidado – e decidi dar uma chance.
– O que você tem?
– O expresso e um salgado. Mas não recomendo, é de ontem.
Cinco minutos depois, eu estava tomando um carioca e comendo um cookie industrializado que ele trouxe de cortesia. Tudo bem, era um dia bom. Decidi relaxar. Estiquei as pernas, dei um golinho no expresso (até que estava bom!), e tateei o bolso para pegar o celular. Gesto automático.
Mas, enquanto a mão ia para o bolso, o olhar captou um brilho. O telhado da casa da frente brilhava. Era um telhado diferente porque, apesar da cor de cerâmica tão comum, ele se inclinava em um ângulo agudo, como uma peruca com franja, ruiva, sobre a casa branca geminada.
Em cima dele, dois homens estavam trabalhando. Um, de costas, tinha as pernas enterradas no buraco criado pelo deslocamento de uma dúzia de telhas. Vestia um macacão marrom e segurava uma corda amarrada ao colete de segurança do colega. Um pouco à frente, meio metro no máximo, o colega desenrolava delicadamente a manta prateada – o brilho. Pensei na chegada do homem à Lua.
Dois homens trabalhando sobre um telhado antigo, abaixo do qual vivia uma família. Ou uma pessoa apenas. Ou um casal e um cachorro. Pessoas que foram castigadas pelas goteiras das chuvas precoces do verão de 2020. Essas pessoas, eu imaginei, iam dormir tranquilas naquela noite. O telhado brilhava, intergaláctico, vedado.
Será que o rapaz agachado naquela posição desconfortável estava pensando nos moradores enquanto desenrolava seu tapete prateado com a delicadeza e a compenetração de uma bordadeira? Ou será que simplesmente fazia seu trabalho, sem pensar em nada, apenas em acabar tudo, ir embora e encontrar sua própria família? Será que o telhado dele tinha goteiras?
Ainda havia café na xícara quando um pequeno arrepio me percorreu. Meu Deus, será que seu colega, que parece tão fraquinho no seu macacão marrom, vai conseguir segurar a corda se o telhadista escorregar? Os funcionários da loja de material de construção que descarregavam sacos de cimento a poucos metros dali seriam capazes de ajudar?
Afastei rapidamente a tragédia da história que estava se criando na minha cabeça e voltei minha atenção para o telhado, para a cena real e única que ninguém mais veria naquele horário, daquele lugar. Eu, uma mulher tomando café à espera de uma reunião em que falaria do futuro, era a testemunha do presente.
Vinte minutos sem WhatsApp. Foi quando me dei conta de estar olhando para a vida. Ordinária, trivial. Mas imprevista, como meu café.
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