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Brenda Fucuta

“Meus cachorros salvaram minha vida”: a história de Tamy e seus “filhos”

Brenda Fucuta

01/02/2020 04h00

Tamy, com Ted e Maxx no colo e Paçoca na outra poltrona/Álbum de família

Quando comecei a entrevistar a analista de exportação Tamy Natal, 34 anos, pretendia falar sobre sua decisão de formar uma família não tradicional: ela, seu marido e quatro cachorros, o Ted e a Mel, 10 anos, o Maxx, 9, e o Paçoca, 5. Quatro Lulus da Pomerânia que ocupam o lugar de filhos do casal. Os três meninos moram na casa de Tamy e do marido. Mel mora com a "avó", mãe de Tamy, no mesmo bairro. Típica família contemporânea: Mel é mãe de Maxx e ex-mulher de Ted, enquanto o caçula, Paçoca, foi adotado.

Admito que, no começo da conversa, eu ainda tinha uma certa desconfiança em relação a esses novos formatos de afetos entre humanos e seus filhos-pets. Mas, de maneira delicada e despretensiosa, Tamy me convenceu, levando nossa entrevista para um caminho inesperado ao revelar que a chegada dos cachorros, há dez anos, a tirou de uma depressão profunda. "Eles deram sentido à minha existência quando eu não via sentido nenhum em viver."

Sete das primeiras fotos do seu Instagram são dos seus cães. Isso representa a importância deles na sua vida? Sem dúvida. Oitenta por cento do arquivo de fotos do meu celular são do Maxx, do Ted e do Paçoca. Para mim, eles são como crianças, que a gente fotografa e adora mostrar para a manicure, a depiladora, o colega de trabalho. Algumas mães ficam até ofendidas quando falo isso, mas eles são meus filhos. Algumas pessoas também confundem, acham que não gosto de crianças, mas não é nada disso, gosto muito. Adoro ficar com meus sobrinhos. Eles acham que eu e meu marido somos os tios maluquinhos e descolados.

Na sua geração, além de ter filhos mais tarde, as mulheres muitas vezes abrem mão da maternidade. Por que você acha que isso acontece? Não sei se é uma coisa de geração. As famílias mudaram mesmo, estão menores. A gente vê anúncios de apartamento de 35 metros quadrados e com área para pets no prédio. De uns três anos para cá, eu tenho visto muitas mulheres que não querem ser mães, parece que isso deixou de ser uma obrigação. Mas não sei se é coisa de geração. Eu decidi que não ia ser mãe quando tinha 21 anos de idade, queria focar nos estudos e na minha carreira, então para mim isso sempre foi normal.

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E como foi casar sabendo que não haveria filhos, mas haveria cachorros? Ah, desde o começo do namoro isso ficou claro. Lembro que a gente estava numa lanchonete quando falei pro meu marido que eu não tinha o sonho de ser mãe e perguntei se isso era um problema. Ele me disse que estava tudo certo. Quanto aos cachorros… Eu já tinha o Ted, o Maxx e a Mel, que agora mora com minha mãe, e meu marido sempre aceitou e entendeu meu amor por eles. Depois, chegou o Paçoca.

Você me disse que os pets dormem com vocês… Dormem. Um, na minha cabeça, outro, na cabeça do meu marido e o terceiro, de conchinha.

Toda noite? Seu marido não reclama? Não, já está acostumado. Eu não consigo dormir sem eles, me sinto insegura. Há pouco mais de um ano, decidimos ir para a praia passar um fim de semana e deixamos os cachorros com minha mãe. Eu passava mensagem toda hora para saber como eles estavam e minha mãe precisava mandar fotos e vídeos para eu me acalmar. "Fica tranquila, aproveita", ela dizia. "Eles estão bem."

Então, pelo jeito você não viaja muito. Não. Talvez eu tenha errado na criação deles porque fiquei sem flexibilidade para viajar. Eu sinto que se eu tivesse criado como cachorros, e não como crianças, teria mais liberdade. Mas não me arrependo. Meu coração é muito mole, acho que se fosse começar de novo faria exatamente do mesmo jeito [risos].

Você nunca deixou na creche ou em hotel? Li que agora existem hotéis com quartos particulares para cachorro. Não, só confio em deixar com meu marido ou com minha mãe. Eles sabem a hora de dar comida, de dar remédio, o tanto certo de ração, os hábitos deles. O Ted é diabético, precisa tomar insulina meia hora depois de comer. O Maxx tem um tipo de asma, precisa de bombinha todo dia. Os dois são cardiopatas e precisam de medicação. A gente planejou morar perto da casa dos meus pais, inclusive, para eu poder deixar os cachorros na minha mãe quando saio para o trabalho e poder pegar de volta à noite.

Igual as pessoas fazem com os filhos. Sim, porque é isso que eles são para mim e tanto meu marido quanto meus pais entendem. Quando olham para os meus cachorros, eles entendem que, da minha parte, os considero como filhos. E meus pais, por causa disso, os consideram seus netos. Aos finais de semana, quando ficamos em casa, a avó e Mel costumam nos visitar porque sentem saudades.

Eles dão tanto trabalho quanto as crianças? Não dá para comparar, eu tenho noção do trabalho que crianças dão. No meu caso, levo para o veterinário a cada seis meses, sou muito cuidadosa com os hábitos alimentares, a saúde e o bem-estar deles. É muito pouco perto dos benefícios que eles trazem. Eu enxergo um prazer tão grande, eles me dão tanto em troca de tão pouco… Carinho e ração, coisas tão simples.

Uma pesquisa recente mostrou que 14% dos entrevistados abandonaram seus pets quando mudaram de casa. Você jamais faria isso, então. Nossa, isso é muito absurdo. É como se você abandonasse alguém da sua família, um filho, um pai. Animais não são objetos, ventilador, mesa de cabeceira, que você deixa para trás ou joga fora se fica quebrando. Não consigo entender essas pessoas que adotam um bicho e não ficam com ele. Como assim? Animais não são descartáveis. Uma das minhas maiores dificuldades é imaginar a velhice dos meus. Em algum momento, vou presenciar o fim da vida deles enquanto eu continuarei aqui. Vou ter que acompanhar a morte de um filho, porque é isso que eles significam para mim.

O mercado de pets no Brasil é considerado o segundo do mundo e movimentaria 20 bilhões de reais por anos. Existem cervejas para cachorros, spas, academia de natação e até terapeutas de reiki especializados em pets. Você já usou esses serviços? Nunca usei. Cerveja, panetone, chocolate… o veterinário deles é muito criterioso e não recomenda nada disso. Nesse aspecto, esse tipo de mercado não me ganha. O Maxx teve pneumonia uma vez e precisou de uma roupinha. Um moletom para ele custava 150 reais! Achei um absurdo, acho tudo isso abusivo.  Conheço pessoas, ainda bem que não são todas, que gastam dinheiro com coleira Swarovski mas não ligam para ter a vacina em dia. Eu valorizo mais a saúde do que uma roupinha de grife ou uma festinha de aniversário.

Quanto do seu salário você gasta com seus bichos? Eu gasto aproximadamente R$ 1.400,00 por mês. Quase tudo com comida e remédios.

Conheço muita gente que acha que as pessoas deveriam adotar crianças abandonadas em vez de pets. O que você diria para essas pessoas? Sou totalmente a favor da adoção de crianças, mas acho que uma coisa não tem a ver com outra. Prefiro dizer da minha experiência apenas. Trato meus bichos como filhos porque eu sinto muito amor por eles. Devo a eles minha vida, na verdade.

Sua vida? Sou uma ex-suicida. Vou contar essa história porque acho que pode ajudar outras pessoas. Há dez anos, eu estava muito deprimida, tinha acabado um noivado, um relacionamento de bastante tempo. Quando a gente está assim, é difícil entender seu significado no mundo, tudo que você sente é um vazio. Encontrar o Ted e a Mel, naquela época, me tirou da escuridão. Um animal deposita todo o amor e a confiança que ele tem em você e essa conexão te traz muita vida, muita vontade de viver. Quando eu não entendia o significado da minha existência, o Ted e a Mel me trouxeram esse significado de volta. Por eles, eu tinha que estar presente, eu tinha que viver para cuidar deles. Eles deram sentido à minha existência quando eu não via sentido nenhum em viver. Meus cachorros salvaram minha vida. Por isso, para pessoas que se sentem como eu me sentia, eu digo: adote um cachorro.

Sobre a autora

Brenda Fucuta é jornalista, escritora e consultora de conteúdo. Autora do livro “Hipnotizados: o que os nossos filhos fazem na internet e o que a internet faz com eles”, escreve sobre novas famílias, envelhecimento, identidade de gênero e direitos humanos. Além de entrevistar pessoas incríveis.

Sobre o blog

Reflexões de uma jornalista otimista sobre nossa vida em comum

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