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Brenda Fucuta

Grupo de mulheres com mais de 50 anos quer doar 5 mil cestas para favela

Brenda Fucuta

11/04/2020 04h00

Da esquerda para a direita: Pato, voluntária e Noca em Heliópolis. Foto Arquivo Pessoal

Elas têm pouco mais ou pouco menos de 50 anos de idade e se reúnem pelo WhatsApp ou em jantares concorridos para falar de música, filosofia, consumo, propósito, a "palestra do TED da vez" e outros assuntos que consideram inspiradores. Fazem parte do grupo fechado #Melhoraos50, hoje com 166 mulheres, criado em março de 2019 por quatro amigas, as empresárias Andrea Bisker, Eliana "Noca" Bobrow Falbel, Melissa Blum Gerzgorim e a psicóloga Patricia "Pato" Ely.

Todas moram em São Paulo e, desde que a quarentena começou na cidade, o grupo foi tomado por três assuntos principais: receitas de comida, estratégias para suportar o isolamento – entre elas, muitas sessões de meditação online – e solidariedade.

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Há três semanas, duas delas, Noca Falbel, 54 anos, e Pato Ely, 48, decidiram usar a rede de amigas para arrecadar fundos. Juntaram o suficiente para comprar 2 mil caixas com material de limpeza e higiene pessoal e encontraram uma entidade social para distribuí-las, a ONG Associação Ação Comunitária Nova Heliópolis, que atua no bairro de mesmo nome, onde vivem de 100 mil a 180 mil habitantes (dados da prefeitura). No último domingo, Pato e Noca foram entregar cestas acompanhadas dos voluntários da ONG.

Vocês deixaram o isolamento das suas casas para entregar pessoalmente cestas na maior favela de São Paulo. Como foi isso?
Pato: Queria esclarecer que estou levando o isolamento bem a sério. Mas, veja, a gente está mergulhada nessa campanha de um jeito tão intenso que a decisão de ir até a comunidade nos pareceu natural.
Noca: Achamos importante conferir, a gente não queria fazer só ativismo de sofá. Foi uma decisão que envolveu riscos, claro, mas levamos máscara, higienizamos as cestas, usamos luvas e um avental descartável dado pela ONG. Na medida do possível, tentamos manter distância.
Pato: É, mas quando você chega em uma casa, com um banheiro e um quarto onde dormem sete pessoas…

Bate a realidade?
Pato: O que bate é um desespero por ver os moradores daquela comunidade sem os recursos mínimos para se proteger. Não é que falte informação para eles, falta ter o que fazer com a informação. Por exemplo, como a dona Cecília, que a gente encontrou em Heliópolis, vai se isolar? Na casa dela, que é cadeirante, tem só um cômodo, um um quarto com dois beliches, divididos com cinco netos e o filho. Eu trabalho com dependentes químicas, sou voluntária do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, e estou acostumada a ouvir histórias de vida como a de dona Cecília. Quero dizer, não é como: "Uau, a rica chegando na casa do pobre". Mas, mesmo assim, é muito difícil.
Noca: Para mim é um pouco diferente. Já me engajei em outros trabalhos voluntários, mas nunca tinha andado e conversado com os moradores dentro de suas casas, dentro de uma favela. A comunidade de Heliópolis é enorme e inclui vários bairros, alguns melhores e outros que são bolsões de pobreza extrema. Aprendi muita coisa, entre elas que é preciso mesmo pedir liberação do tráfico de drogas para andar no bairro e que o trabalho voluntário tem que ser bem feito, senão as pessoas reclamam. Aprendi também que, lá dentro, muita gente se mobiliza para ajudar as famílias mais pobres. Os voluntários dessa entidade que a gente está apoiando, por exemplo, usam seus carros para fazer entregas das doações, mesmo arriscando não ter dinheiro para reabastecer o carro. Conhecemos uma ajudante de escola que não pega cesta básica, pois ainda tem seu emprego, e sabe que outros precisam mais do que ela.

Vocês decidiram incluir alimentos nas caixas com produtos de higiene para as próximas entregas. Já não existem várias ONGs fazendo isso?
Noca: Sabemos que existem organizações grandes que estão arrecadando recursos, mas as famílias que visitamos estão completamente desassistidas. Falta água para lavar as mãos, falta comida.
Pato: É muito impressionante o descaso com as pessoas, com os idosos e com as crianças. É apavorante pensar o que um vírus tão contagioso pode fazer naquela comunidade.
Noca: Sim, ninguém vai saber quem pegou, não vai ser possível cuidar de quem está doente.

E como foi a volta para casa depois dessa experiência que, pelo jeito, foi muito marcante?
Pato: Seria fácil esquecer, porque posso me dar ao luxo de tomar um longo banho quente e de pedir almoço por delivery. Mas não foi assim. Enquanto eu pedia o almoço, pensava no que a dona Cecília estava cozinhando.
Noca: E com o quê, não é? As quentinhas que são doadas têm que vir prontas, pois muitas pessoas não têm nem como esquentar a comida.
Pato: Somos muito privilegiadas e, desse lugar privilegiado, queremos fazer algo para quem não teve a mesma sorte na vida. Quando voltei para casa, depois de almoçar com minhas filhas e contar o que vi e senti, fiquei me perguntando por que motivo quis ver além do que já estava vendo. Por que precisei entrar na casa das famílias mais pobres? Agora, penso que foi uma forma de aproximação, de entrar em contato mesmo, para não esquecer. É desesperador lembrar, mas também é motivador. Precisamos fazer alguma coisa.
Noca: Estamos fazendo o nosso melhor, mas o que me frustra é saber que ainda é muito, muito longe do necessário. A gente achava que arrecadar fundos, comprar cestas e transportá-las era a parte mais difícil. Mas não: o grande trabalho está na logística, na distribuição dessas cestas pelas ruas e vielas de Heliópolis. Quais as famílias que precisam mais? Onde elas moram? Como encontrá-las?

Vocês pretendem continuar com o projeto ou consideram que ele alcançou o resultado que planejaram?
Pato: Sim, vamos continuar, é impossível deixar de fazer alguma coisa. Sinto que criamos um compromisso com as famílias.
Noca: Nossa meta é levantar fundos para chegar a 5 mil cestas.
Pato: E tentar apoiar a logística. Estamos buscando mulheres no nosso grupo, que possam ajudar na logística usando tecnologia.

Sobre a autora

Brenda Fucuta é jornalista, escritora e consultora de conteúdo. Autora do livro “Hipnotizados: o que os nossos filhos fazem na internet e o que a internet faz com eles”, escreve sobre novas famílias, envelhecimento, identidade de gênero e direitos humanos. Além de entrevistar pessoas incríveis.

Sobre o blog

Reflexões de uma jornalista otimista sobre nossa vida em comum

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