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Brenda Fucuta

Bons presentes de Natal para os amigos: feminismo e direitos humanos

Brenda Fucuta

21/12/2019 04h00

iStock

"Eu não sou feminista, sou feminina."

O que você acha dessa frase? Faz sentido para você? Acha que é uma grande bobagem? Ou não aguenta mais ouvir essa conversa?

Eu estou mais para a última resposta: cansada de falar para as pessoas que uma coisa não tem a ver com a outra. Ser feminista é ter consciência de que as mulheres têm o direito de ter direitos iguais aos dos homens. Ter os mesmos direitos iguais. E não ser igual ao homem. Ser feminista nada tem a ver com ser masculina ou feminina. Blábláblá.

Mas, recentemente, uma amiga de uma amiga, muito simpática, falou exatamente isso: "Eu não sou feminista, sou feminina". Ela não falou com raiva, tipo "eu odeio as feministas", percebi que não era uma questão de visão de mundo. Ela falou como se estivesse contando que preferia vinho tinto a trabalhar no domingo. Aí, entendi que eu precisava dizer: peraí, essas coisas não podem ser comparadas.

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Parece que estou subestimando a amiga, mas não se trata disso. Existem coisas que todo mundo diz apenas por dizer, tenho certeza de que eu e você repetimos frases e conceitos de pessoas que admiramos. Ou expressamos ideias que parecem combinar com a gente. Fazemos isso, muitas vezes, sem refletir profundamente sobre o assunto.

Neste tópico específico –feminista e feminina–, eu tinha mais quilômetros rodados do que ela. Por isso, decidi inventar ali, na hora, o teste "Você é feminista?", baseado mais na prática do que na teoria.

Propus que ela respondesse cinco perguntas. Dependendo das respostas, a gente concluiria se ela era feminista ou não.

  1. "Você acha que as mulheres devem ganhar menos do que os homens?"

"Não."

  1. "Você acha que as mulheres são as únicas responsáveis por trocar as fraldas, dar banho, fazer a lição de casa com os filhos?"

"Não."

  1. "Você acha que os homens devem pagar todas as contas de casa?"

"Que homem consegue fazer isso? Claro que não."

  1. "Você acha que as mulheres são culpadas pelo assédio e abuso sexual que sofrem por causa da roupa que vestem?"

"Ah, depende. Tem mulher que abusa."

  1. "Você acha que, se sua filha estiver de top e shortinho na rua, os homens podem assediá-la?"

"Assediar tipo falar besteira? Acho que vai acontecer, sim. Mas não acho que eles têm o direito de passar a mão, de jeito nenhum."

Mesmo titubeando na resposta 4, ela havia passado no teste. Não com louvor, mas com dignidade.

"Então", eu disse. "Parabéns, você é feminista."

Ela me olhou meio desconfiada e imagino que ainda hoje não esteja muito convencida disso.

Me lembrei de uma história que minha mãe contava. Na família dela, comunismo era um palavrão, algo que ninguém entendia direito, mas odiava. Ela cresceu e nos criou imbuída dessa crença: tudo, menos comunismo! Mas minha mãe sempre foi muito justa e generosa. Ficava condoída quando via famílias muito pobres, questionava a desigualdade tão acentuada, sempre uma autêntica contestadora.

Um dia, conversando com seu pai, meu avô, sobre as mazelas do mundo, ouviu dele: "Você está parecendo comunista". Minha mãe, que idolatrava seu pai, nunca entendeu por que ele chegou àquela conclusão, algo que a magoou profundamente. Minha mãe estava defendendo noções básicas de direitos humanos e foi confundida com uma comunista.

O feminismo acredita na igualdade de direitos entre homens e mulheres. A defesa dos direitos humanos fala de direito, de qualquer ser humano, a coisas tão básicas quanto liberdade, saúde, comida, segurança. Como ainda podemos ser contra isso?

Na última pesquisa de opinião que vi sobre o feminismo, a rejeição ainda vencia. Embora as mais jovens se identificassem com ele, mais da metade das brasileiras repudiavam a ideia de se associar ao feminismo, segundo o instituto Datafolha de abril de 2019.

Pouco antes, o instituto Ipsos revelou resultados da pesquisa Human Rights – Global Advisor: no Brasil, seis em cada dez brasileiros acreditavam que os direitos humanos beneficiam quem não merece, como criminosos e terroristas. Precisamos inventar mais testes e outras estratégias de esclarecimento.

Sobre a autora

Brenda Fucuta é jornalista, escritora e consultora de conteúdo. Autora do livro “Hipnotizados: o que os nossos filhos fazem na internet e o que a internet faz com eles”, escreve sobre novas famílias, envelhecimento, identidade de gênero e direitos humanos. Além de entrevistar pessoas incríveis.

Sobre o blog

Reflexões de uma jornalista otimista sobre nossa vida em comum

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