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Conheça a história do garoto de 4 anos que tem "mãe grande" e "mãe pequena"

Brenda Fucuta

11/05/2019 04h10

Carol e Simone, uma família com a "mãe grande" e a "mãe pequena". Foto: Arquivo pessoal

Carol e Simone se casaram em 9 de maio, dia em que Carol me deu esta entrevista. Escolhi Carol para falar comigo – e ela me escolheu para conversar – porque acredito que precisamos comemorar o Dia das Mães com alguma luz. As empresárias Carol Campos, 42 anos, e Simone dos Santos, 41, são mães de um garoto de quatro, o Pedro, e formam uma família digna e feliz, construída sobre amor, confiança e um contrato de união estável (o casamento). Mesmo assim, são invisíveis para o atual governo do país.

Como você está se sentindo neste Dia das Mães, poucas semanas depois de o presidente da República retirar do ar um vídeo publicitário que mostrava minorias? Ele justificou afirmando que a "massa" quer "respeito à família". Em setembro de 2018, ainda em campanha, Bolsonaro havia dito que, se fosse eleito, a família seria respeitada, "porque aqui tem macho e fêmea". É um absurdo, né? A gente lutou muito para conseguir ter um filho, registrar o filho no nome de duas mães e aí vem uma pessoa falar que não existimos, que não merecemos ser respeitadas. É muito chocante ouvir uma pessoa dizer que sua família não é família. Que tipo de violência é essa, quando alguém tenta apagar sua história, seu amor, seus filhos?

Você e Simone formam uma família homoafetiva em um país que ainda não entende famílias fora do padrão. Quando vocês começaram a pensar em ter filhos? Estamos juntas há 15 anos, faz sete que moramos na mesma casa. Eu sempre tive vontade de ser mãe mas a decisão foi se formando quando meu pai ficou doente. Perdi minha mãe aos 11 anos de idade e minha ligação com meu pai era muito forte. Sabia que ele queria netos e pensei em engravidar antes que ele morresse, o que acabou acontecendo em 2012. Mas não deu tempo. Durante os três anos da doença, me dediquei a cuidar dele. Não houve como pensar em gravidez.

O Pedro nasceu em 2015… Sim. Em 2014, quando eu já estava menos abalada com a morte do meu pai, meu ginecologista me disse que, se eu quisesse ser mãe, devia congelar os óvulos ou tentar a inseminação, pois já estava com 38 anos. Horas depois da consulta, eu e a Simone conversamos e decidimos que era a hora. Ela queria ter filhos, mas não passar pela gravidez. Então foi uma coisa natural que eu tentasse a inseminação artificial. Fizemos três tentativas. Perdi o bebê na primeira vez, com dois meses. Na segunda, não deu certo. Na terceira, engravidei do Pedro.

Como foi este processo para vocês? Foi difícil porque você recebe muito hormônio durante a inseminação e acho que isso te deixa mais frágil. Ainda por cima, existem as perdas e as tentativas que não dão certo, que são um baque terrível. Por outro lado, nós estávamos muito segura de que queríamos ser mães, formar uma família. E queríamos fazer tudo juntas. Tanto que, por nossa sorte, fizemos questão que a Simone também assinasse o termo de consentimento para a inseminação.

Por que por sorte? Por que tivemos dificuldade para registrar nosso filho em nome das duas. Por alguns meses, apenas eu era considerada mãe no registro de nascimento. Só quando entramos com uma ação judicial e o juiz decidiu a nosso favor depois de ter uma prova de que as duas estavam envolvidas no processo da inseminação, foi possível registrar o Pedro com duas mães. O termo do consentimento foi a prova. Hoje, nós dizemos para todas as amigas que querem engravidar que assinem juntas o termo de consentimento.

É sempre assim? Nosso caso tem sido usado como jurisprudência a favor do registro de duas mães. Quando você faz uma inseminação cruzada – óvulo de uma, útero de outra –, é mais simples. Mas, no nosso caso, o óvulo e o útero eram meus. A gente não sabia que seria tão complicado até eu estar com seis meses de gravidez e ser informada em um curso de gestantes que o cartório poderia não aceitar duas mães. Ficamos arrasadas naquele dia.

E quando vocês conseguiram mudar o registro? Foi em dezembro de 2015. O Pedro tinha sete meses e fomos juntas ao cartório com o parecer do juiz. Na filiação, constam os nossos nomes. Mãe e mãe.

Como funciona uma família com duas mães? No cartório, o escrivão nos perguntou a mesma coisa. Ele disse que não aguentava uma mãe no pé dele, imagina duas. Foi uma piada, por isso respondemos que, pra gente, não tinha problema. Ia ter problema pra nossa nora – ou genro – que teria que lidar com duas sogras. Mas, na vida real, é muito tranquilo. Sempre fizemos tudo igual, sem dividir papéis. Mesmo na amamentação, depois de algum tempo, a Simone começou a dar as mamadeiras. Quando tem reunião na escola, vamos as duas. Quando tem comemoração do Dia dos Pais, vamos as duas. O Pedro, depois de algum tempo, começou a me chamar mãe pequena e a Simone de mãe grande. Foi uma decisão dele. Os colegas da escola chamam a gente assim também.

Vocês ficam preocupadas com o Pedro? Se ele vai ser discriminado na escola? Por enquanto, está tudo bem. Pedro está numa escola que tenta aprender com a gente como é uma família fora do padrão. Ele é o primeiro aluno com duas mães, porque a escola é pequena, mas a diretora nos acolheu muito bem. Os pais dos colegas ficam curiosos, alguns querem informações sobre inseminação. O Pedro sempre é convidado para as festinhas dos amigos. A nossa preocupação tem mais a ver com o futuro, quando ele tiver 8, 9 anos. Agora, as crianças não têm preconceito, são inocentes. Mais tarde, elas ficam mais cruéis.

E fora da escola? Nossas famílias adoram o Pedro. Tios, primos… Claro que, em alguns momentos, você ouve o que não quer e percebe em que mundo estamos vivendo. Por exemplo, uma conhecida me contou que, numa viagem que fez, num cruzeiro, virou o rosto do filho para que ele não visse um casal de homens de mãos dadas. Segundo ela, o filho era muito novo para ver isso. Este é o problema, a inclusão só acontece quando se trata a diversidade com naturalidade desde cedo. E falo de inclusão de modo geral. Eu e a Simone somos voluntárias em um projeto de inclusão de crianças com Síndrome de Down chamado Best Buddies Brasil. A estratégia destes projetos é promover a convivência de crianças com e sem síndrome. Temos esta preocupação de mostrar para o nosso filho que existem diferenças entre as pessoas. E que está tudo bem, podemos e devemos conviver com isso.

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Sobre a autora

Brenda Fucuta é jornalista, escritora e consultora de conteúdo. Autora do livro “Hipnotizados: o que os nossos filhos fazem na internet e o que a internet faz com eles”, escreve sobre novas famílias, envelhecimento, identidade de gênero e direitos humanos. Além de entrevistar pessoas incríveis.

Sobre o blog

Reflexões de uma jornalista otimista sobre nossa vida em comum

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