Ativistas ameaçadas de morte se unem em PE: "Fugi do Brasil", diz uma delas
Brenda Fucuta
23/03/2019 04h11
(Foto: arquivo pessoal) A defensora de direitos humanos, Eleonora, cujo filho foi assassinado
No dia 28 de março, na cidade do Recife, mulheres ativistas vão se reunir para conversar sobre as ameaças que estão recebendo por defender os direitos humanos no Brasil. O encontro está sendo organizado pelo Ministério Público de Pernambuco em conjunto com o movimento Mães pela Igualdade, que nasceu em 2011 para lutar contra a homofobia. Nesta entrevista, Eleonora Pereira, integrante do Mães pela Igualdade, fala sobre sua preocupação com a vida das ativistas.
Em 2010, você perdeu um filho de 24 anos de idade, o José Ricardo, espancado até a morte. Apesar de o crime ter conotação homofóbica, você costuma dizer que seu filhos foi morto no seu lugar, por causa da sua atuação em defesa dos jovens vulneráveis do bairro onde morava, o Jardim São Paulo. Quase dez anos depois, como está a situação dos defensores de direitos humanos no Brasil? É muito delicada. Por isso, estamos organizando este encontro de mulheres ativistas. Queremos dar visibilidade para a situação de ameaça às nossas vidas, a falta de proteção do Estado. A morte da Marielle (a vereadora Marielle Franco) chamou a atenção do mundo para a gravidade da situação, mas precisamos mostrar que o perigo continua existindo. Muitas mulheres morrem em luta contra o crime organizado, em conflitos na luta pela terra, em defesa do meio ambiente e não ficamos sabendo. Em 2017, a Front Line (ong irlandesa Front Line Defenders, de proteção aos defensores de direitos humanos) disse que 68 defensores foram mortos no Brasil. Só em dezembro do ano passado foram assassinados oito defensores no Nordeste. Existem quinze mulheres ameaçadas de morte só no Recife.
Você voltou há pouco para o Brasil, depois de uma temporada na Angola. Por que esteve lá? Eu fugi do Brasil porque estava sendo ameaçada por grupos de extermínio de Recife. Fui em 2016 e voltei em novembro do ano passado. Lá, eu continuei trabalhando com a comunidade LGBTQ (Lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e queer). O problema é que as ameaças continuam e não consegui ser inserida no programa de proteção aos Defensores de Direitos Humanos de Pernambuco. (Desde 2004, alguns defensores recebem proteção do Estado, como monitoramento das atividades e acompanhamento policial.)
Então, você está sem proteção… Não sou só eu. Uma defensora ameaçada, aqui do Recife, não pode sair de casa porque não tem acompanhamento policial, apenas sua casa é monitorada por camêras. Uma ativista trans, de combate à tortura, foi ameaçada e se exilou. Está no Canadá. Queremos que o Brasil cumpra a resolução 68 da ONU, que cobra uma proteção maior aos defensores.
Você não pode voltar à sua casa por causa das ameaças e está levantando verbas em um crowdfunding para pagar o aluguel. Que tipo de atividade está conseguindo desenvolver no Recife nessas condições? Estou trabalhando nas periferias, principalmente com mulheres que perderam seus filhos e mães que não os aceitam por serem LGBTQs. Acolher uma mãe que perde um filho é um trabalho muito difícil, que quase ninguém sabe fazer. Depois do enterro, esta mãe, que estava acompanhada por muita gente, fica sozinha. Passa um ano, passam três, e a dor continua, mas ela está sozinha. Então, a gente se reveza para poder ligar, ajudar a trabalhar o luto, a fortalecer esta mãe para ela se cuidar e não se sentir sozinha. Nas periferias, também acompanho mães que discriminam seus filhos, principalmente mães muito religiosas que vêem a homossexualidade e a transexualidade como um pecado.
Qual a diferença entre mães da periferia e de bairros de classe média, neste aspecto? A maior diferença está nas oportunidades que os filhos têm de criar um futuro, mesmo dentro de uma família preconceituosa. Por exemplo, eu acompanho uma família cuja mãe é muito agressiva com o filho, deixou o marido expulsá-lo de casa na adolescência. Nós precisamos chamar o conselho tutelar para reintegrá-lo à família, mas a relação dos dois não é boa. A mãe o chama de prostituto e ele, agora com 18 anos, a ameaça com a possibilidade de fazer programa. Estamos tentando inseri-lo no mercado de trabalho para que isso não aconteça. Na classe média, transexuais talvez não precisem virar prostitutas para sobreviver.
Você também atuou em situações de tráfico de transexuais… Aqui, no Nordeste, temos uma rota de tráfico de trans que comeca no Piauí e , vem pelo litoral até a Paraíba. As quadrilhas são formadas, em geral, por um casal native, que aluga uma casa na praia onde circula muita gente, muito turista. Nesta casa, eles recebem meninos gays do interior que, depois, são levados para clínicas de transformação no Rio de Janeiro. Lá, eles modelam o corpo. Você sabia que os trans com quadris largos valem mais neste mercado?
Não sabia… Pois é. Eles recebem silicone e são enviados para a Itália, em geral. Muitos trabalham na prostituição em sistema de escravidão. O dinheiro que ganham mal dá para a comida que é cobrada. Além disso, muitos gays que não são trans estão se submetendo à mudança do corpo na ilusão de ganhar dinheiro fora do país. E os pais incentivam. Tudo o que querem é que o problema, o fato de ele ser gay, se transforme numa fonte de renda para a família. Há dois anos, recebi uma denúncia de tráfico de prostituição e a Polícia Federal conseguiu desarticular uma rede internacional. Eles estavam com uma garota de 14 anos em cativeiro. Na casa, também tinha dois adolescentes gays.
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Sobre a autora
Brenda Fucuta é jornalista, escritora e consultora de conteúdo. Autora do livro “Hipnotizados: o que os nossos filhos fazem na internet e o que a internet faz com eles”, escreve sobre novas famílias, envelhecimento, identidade de gênero e direitos humanos. Além de entrevistar pessoas incríveis.
Sobre o blog
Reflexões de uma jornalista otimista sobre nossa vida em comum