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Brenda Fucuta

Você é mãe ou pai que "protege" os filhos com terrorismo?

Universa

29/07/2018 04h00

Crédito: iStock

A cidade argentina de Ushuaia é o finzinho do mundo, frio até doer a alma. Estive lá em 2013, onde conheci uma mulher muito simpática, mãe de um garoto que tinha a mesma idade do meu filho mais novo. Nos encontramos no hotel, por causa das crianças – que brincaram juntas no café da manhã –, e passamos a andar em grupo depois disso.

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Muito afável ao conversar comigo, minha amiga de viagem se transformava quando saíamos para passear com os filhos.

"Cuidado, Edson! Vai cair!"

"Vai escorregar, Edson!"

"Vai se perder!"

"Vai ficar doente, Edson!"

Achei aquilo bem curioso, um tipo de educação pelo terrorismo. Sei que a maior parte das mães utiliza as frases citadas acima, mas não como fazia a minha nova amiga, emendando uma na outra, sem intervalo.

Parecia que ela acreditava que recitar esse histérico mantra podia proteger seu filho dos perigos. Como se os gritos expulsassem os riscos para um mundo paralelo, onde os medos de todas as mães estariam armazenados. Um mundo paralelo parecido com uma caixa máster de Pandora.

Edson escorregou e caiu muitas vezes no gelo. Ficou resfriado também. Da mesma maneira que meu filho. O feitiço da minha amiga, portanto, não só era irritante – para quem estava junto –, como não funcionava.

Por que, então, a gente faz isso se sabe que não funciona? Claro que essa mãe que eu descrevo estava bem acima da média na categoria "controle pela antecipação", mas, em dose menor, eu vejo esse comportamento o tempo todo. Em mim e em outros pais e mães.

Acho que a motivação inicial é razoável: queremos avisar aos filhos que eles podem se machucar com determinada brincadeira. Que o fogo queima, que o primeiro degrau da escada está muito longe do último degrau, que a água afoga. Queremos compartilhar nossa experiência. Natural. Esse é o nosso papel.

Mas como explicar que o terrorismo antecipatório continue na adolescência e na vida adulta? (Como diz minha mãe, filho não tem idade).

"Vai perder a hora!": quando queremos que o filho durma cedo.

"Vai bater o carro": quando queremos que não bebam antes de dirigir.

"Vai ficar doente": quando queremos que eles comam direito.

Somos todos pais de Edson. Irracionalmente, nos esquecemos que seres humanos gostam de testar as coisas por si sós. Mesmo as coisas perigosas. Já viu alguém deixar de dirigir porque os pais dirigem? Alguém deixar de viajar porque os pais já viajaram e perderam as malas? Alguém deixar de nadar, de correr, de colocar o dedo na vela para ver se realmente queima?

Na vontade de proteger os filhos, ignoramos o óbvio. Viver é experimentar – mesmo as coisas ruins. E todas as novas e velhas fobias – o medo de sair de casa, de andar de elevador, de ser picado por uma aranha e até de ficar longe do celular – não são, no fundo, o medo de viver? Talvez não exista perigo maior do que ter medo da vida.  A gente devia se lembrar mais disso.

Sobre a autora

Brenda Fucuta é jornalista, escritora e consultora de conteúdo. Autora do livro “Hipnotizados: o que os nossos filhos fazem na internet e o que a internet faz com eles”, escreve sobre novas famílias, envelhecimento, identidade de gênero e direitos humanos. Além de entrevistar pessoas incríveis.

Sobre o blog

Reflexões de uma jornalista otimista sobre nossa vida em comum

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