Caso Alinne: na era de internet, a depressão não se esconde mais
Brenda Fucuta
17/07/2019 11h12
iStock
Você conhece a história: a garota de 24 anos que se jogou do nono andar. Talvez, como eu, tenha chegado só no final, quando ela já tinha se transformado em uma notícia triste. E, se foi como eu, deve ter se perguntado: mas como isso aconteceu? Se a história da garota fosse um romance, você voltaria as páginas até chegar ao primeiro capítulo do livro para acompanhar a trama.
Em vez disso, começa a stalkeá-la, constrangido, seguindo suas pegadas nas redes sociais, ouvindo ela mesma – já morta – contando a própria história. Encontra seu diário aberto no Instagram, o "Seje sincera", em que ela nomeia sua depressão. (Também assiste ao vídeo em que a garota, como uma anfitriã feliz, mostra a cama com lençol cor de rosa do novo apartamento. Ou vê as fotos do teste de maquiagem para o dia em que se casará.)
Veja também
- "Achei que ela fosse dar a volta por cima", diz amiga de Alinne Araújo
- "Pais de suicidas, não sintam culpa", diz mãe de menino que se matou aos 15
- Os pais estão perdendo o controle no grupo do WhatsApp da escola
Mas ela não casou com o noivo, conforme anunciado em sua página. Abandonada, casou com ela mesma, em cerimônia que virou assunto nas redes sociais durante dois dias. Até que ela se matasse. E fim da história.
No entanto, o fim não existe para a nuvem. Alinne, a garota, está morta para sua família e seus amigos. Mas continua existindo em outra dimensão: contando sua história, dividindo sua tristeza com milhares de desconhecidos – que ela trata com intimidade, como se eles estivessem sentados no sofá da sua sala – em um tempo presente eterno.
A história de Alinne é a história da sua depressão. Não é de amor, de desamor ou de haters – os que criticaram sua decisão de fazer o casamento solo e que certamente pioraram seu sofrimento.
Mas até a chegada da internet, a depressão, como sabem aqueles que a conhecem, era uma doença das sombras. Ela não se exibia. Ela se escondia nos quartos escuros e nas camas por fazer. Não gostava de fotos, de vídeos ou de compartilhamento. A depressão era solitária reservada, envergonhada.
Quando falávamos sobre ela, em geral é porque tínhamos conseguido sobreviver. Ou a conviver com ela. Tendo sobrevivido à depressão, o escritor americano Andrew Solomon diz, em seu livro "O Demônio do Meio-Dia": "Cada segundo de vida me feria. Porque essa coisa drenara tudo que fluía de mim, eu não podia sequer chorar. Até minha boca estava ressecada. Eu pensava que, quando nos sentimos muito mal, as lágrimas jorrassem, mas a pior dor possível é a dor árida da violação total que chega depois de todas as lágrimas já terem se exaurido. A dor que vem de cada espaço através do qual você antes entrava em contato com o mundo, ou o mundo com você".
Tendo nascido e morrido com a internet, Alinne contribuiu para subverter – provavelmente sem querer – pontos fundamentais do nosso estilo de viver, adoecer e morrer.
Não sei exatamente o que isso quer dizer. Na verdade, nem sei se é ruim. Mas a gente reconhece uma ruptura quando ela acontece.
Sobre a autora
Brenda Fucuta é jornalista, escritora e consultora de conteúdo. Autora do livro “Hipnotizados: o que os nossos filhos fazem na internet e o que a internet faz com eles”, escreve sobre novas famílias, envelhecimento, identidade de gênero e direitos humanos. Além de entrevistar pessoas incríveis.
Sobre o blog
Reflexões de uma jornalista otimista sobre nossa vida em comum