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Massacre de Suzano: o que são os fóruns extremistas?

Brenda Fucuta

15/03/2019 05h00

A entrada da escola Raul Brasil, em Suzano (SP). (Foto: Xinhua/Rahel Patrasso)

Violência dos videogames, instabilidade emocional, bullying: são muitos os motivos que policiais, jornalistas e especialistas levantam neste momento, para explicar o que levou G., 17 anos, e Luiz Henrique de Castro, 25, à execução de um massacre na escola Professor Raul Brasil, na cidade de Suzano. Dificilmente, vai se chegar a uma explicação única, absoluta – apenas os atiradores poderiam dizer, com certeza, o que os motivou a matar oito pessoas e a se matar em seguida. E, claro, G. e Luiz Henrique não podem falar.

Mas um dos motivos mais intrigantes, atualmente investigado pela polícia, tem a ver com um grupo da Deep Web chamado dogolachan. Ontem, no seu blog – escrevalolaescreva.blogspot.com –, a professora da Universidade Federal do Ceará e militante feminista Lola Aronovich exibia prints mostrando a conexão dos dois com o chan (Chans, canais, são fóruns anônimos sobre os mais diversos temas.) O dono da conta @cavaleirotempo, com 8 mil seguidores no Twitter, também defendeu a hipótese de os assassinos serem channers, membros de fórum. "Certeza absoluta que se trata de um channer falho que decidiu, como eles dizem, "fazer história". Quando esses caras depressivos, solitários etc. decidem se matar, os seus coleguinhas nos chans usam um chavão: "se mate, mas leve o gado junto". Nos Estados Unidos, os channers são chamados de incels, diminutivo de celibatários involuntários.

Muitos dos chans são misóginos, homofóbicos, racistas e espirram discursos sangrentos. É o caso do dogolachan, criado em 2013 pelo hacker Marcelo Valle Silveira Mello, preso em maio do ano passado, condenado por racismo, terrorismo e estímulo à pedofilia. Em seu fórum, segundo prints de páginas que circulavam nas redes sociais, channers comemoravam o massacre: "G. e Luiz Henrique… Homens de bem e honrados. Que dia bom de se estar vivo e livre para presenciar tal ato."

Mas que mundo é este dos fóruns extremistas e dos discursos de ódio? Para falar sobre o assunto, entrevistei o cientista político Marco Konopacki, coordenador da área de democracia e tecnologia do ITS (Instituto de Tecnologia e Sociedade) do Rio de Janeiro.

O que são os chans e para que servem?

Os fóruns existem desde o início da web e muitos serviços que usamos hoje se inspiraram neles, como os comentários do Facebook. Eles são uma reprodução das rodas de conversa, quando tópicos são lançados, as pessoas trocam argumentos na tentativa de produzir conhecimento. O Yahoo respostas é um fórum, por exemplo. Mas se você está me perguntando de fóruns de conteúdo extremista, eles costumam se valer do anonimato da Deep Web, embora alguns possam ser encontrados na web padrão.

Você pode explicar a diferença entre as duas?

A web padrão é a que quase todo mundo usa, com os conteúdos indexados por grandes buscadores como o Google. A Deep Web tem conteúdos que não podem ser acessados pelo Google. Eles são criptografados. Vou fazer uma analogia com uma lista telefônica. Na web que a gente usa, ela é um catálogo público. Na Deep web, a lista está em código, só alguns podem lê-la utilizando ferramentas específicas.

Como o Tor, por exemplo…

O Tor é uma ferramenta interessante, um browser construído para fornecer uma web mais segura, com mais privacidade. Algumas pessoas mal intencionadas usam o Tor para esconder sua identidade e por isso o TOR costuma ser confundido com atividade criminosa. Mas não tem nada a ver. Eu, por exemplo, uso o Tor para navegar na web normal. Da mesma maneira, existe um mito de que a Deep Web é a internet do mal, mas ela é usada, por exemplo, em países com censura de informação. Nela, você tem os mesmos serviços, mas pode navegar de uma maneira mais segura, com mais controle sobre seus dados.

Mas lá também acontecem ações criminosas

Sim, porque criminosos também se valem das tecnologias. Na Deep Web, você pode "esconder"o conteúdo que produz. Grupos que querem se ocultar, por exemplo, só permitem que convidados acessem determinados serviços. Você precisa ser convidado, receber um endereço digital, ser aceito e, ainda assim, poderá se limitar a um cardápio limitado de conteúdo. Então, não é fácil entrar e é difícil espionar. Por isso, fóruns extremistas, com conteúdo violento, preferem a deep web, onde suas falas são mais difíceis de ser interceptadas.

Muitos ativistas dos direitos humanos, como a Lola Aranovich, são perseguidos pelo que ela chama de mascus, os membros dos fóruns feminicidas. Até que ponto a internet facilita a perseguição a ativistas?

Membros de grupos extremistas em geral têm um grande domínio de técnicas de comunicação e engenharia de software na internet. Ou seja, eles facilmente obtêm informação privada de forma lícita e ilícita. Eles conseguem assediar as pessoas de forma rápida e intensa invadindo o computador ou celular e se valendo do anonimato e perfis falsos para distribuir ameaças. Se eles conseguirem instalar um malware (código malicioso) no computador de um ativista ou de uma pessoa pública, eles terão acesso a quase todo tipo de dado: senhas, arquivos, palavras digitadas, camera do computador e até ao monitoramento da tela. Este tipo de ação criminosa, claro, pode atingir pessoas comuns. Por isso é tão importante cuidar dos dados pessoais.

O fórum supostamente frequentado por G. parece um pouco com uma seita terrorista, que enaltece o suicídio e o assassinato como "atos santos".

Na sua opinião, adolescentes frequentam estes fóruns? Os pais devem ficar preocupados?

A baleia azul, que deixou os pais em pânico, aconteceu em rede social. Onde não é o principal, mas o quê. O que os adolescentes estão consumindo na internet, independentemente do site, do canal? Os pais devem ficar atentos, mas sem uma abordagem opressora. Na minha opinião, a melhor abordagem para acompanhar os filhos é o diálogo. Explique o tipo de ameaça que determinados conteúdos podem gerar, converse com eles permanentemente. Pelo que li, a família deste adolescente não sabia que ele frequentava fóruns extremistas, não tinha ideia de que ele podia estar sendo incentivado por um grupo a cometer ações violentas. Mais do que isso, temos que ter cuidado de não demonizar a tecnologia. Atribuir a ela a causa de uma tragédia como essa é um erro enorme. E atribuir o uso seguro da tecnologia – criptografia, por exemplo – ao crescimento de crimes também é outro erro. Com a tecnologia avançada, as instituições de investigação devem continuar exercendo seu papel de desmantelar quadrilhas e grupos criminosos. Este tipo de comoção não pode servir para questionarmos os preceitos fundamentais de garantia da nossa privacidade e respeito aos dados pessoais.

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Sobre a autora

Brenda Fucuta é jornalista, escritora e consultora de conteúdo. Autora do livro “Hipnotizados: o que os nossos filhos fazem na internet e o que a internet faz com eles”, escreve sobre novas famílias, envelhecimento, identidade de gênero e direitos humanos. Além de entrevistar pessoas incríveis.

Sobre o blog

Reflexões de uma jornalista otimista sobre nossa vida em comum

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