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Brenda Fucuta

Prevenção ao suicídio: ouvir e acolher é melhor do que dar conselhos

Universa

12/09/2020 04h00

Tamy Natal (Arquivo Pessoal)

A ideia desse texto surgiu durante o diálogo sobre outro assunto, quando Tamy Natal, 35 anos, falava sobre seu amor por cachorros e a gratidão que sentia por eles depois de se recuperar de uma longa e profunda depressão. Na época, nos prometemos uma segunda entrevista, na qual Tamy pudesse dividir a história de alguém que convive com ideias e tentativas de suicídio há mais de dez anos. Decidimos publicar trechos da nossa conversa em setembro, mês da campanha de prevenção ao suicídio.

Eu lembro que você se definiu como ex-suicida, o que me deixou um pouco chocada. Nunca tinha ouvido esse termo antes. Por que essa definição?

As pessoas se chocam mesmo, não é? Suicídio não é um assunto fácil, ainda é tabu, constrange as pessoas, elas nunca sabem o que dizer. Esse é um dos motivos pelos quais uso esse termo. Não escondo que tentei o suicídio porque acho importante que se perca o medo de falar sobre ele. Quando alguém está sofrendo tanto que só enxerga a morte como uma saída, ele precisa muito que as pessoas ao redor percebam e ofereçam ajuda. Eu acredito que a ajuda certa vem do conhecimento. Por exemplo, uma pessoa em depressão profunda quer ser amparada, acolhida, quer que alguém pegue na sua mão e diga: "Pode falar, estou te ouvindo, estou aqui para te ajudar". Mas em geral o que ela recebe é um monte de conselho inútil. "Segue em frente, você é forte, lute pelos seus objetivos." Ou: "Por que não procura um tratamento?" Como assim? A pessoa só pensa em coisas terríveis, não tem força nem para abrir o guia de médicos do convênio para procurar um psiquiatra. Deveria haver mais conhecimento entre as pessoas para ajudar quem está em um estado de depreciação tão grande que não vê outra saída senão se matar.

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Você acha então que se assumir como ex-suicida ajuda a diminuir o tabu?

Acho que sim, acho que temos de falar do assunto e apelar para a responsabilidade afetiva das pessoas com quem está deprimido. Mas admito que não é uma decisão fácil, eu ainda me preocupo com o impacto disso em ambientes como o de trabalho. Apesar da minha decisão de não esconder, tenho um pouco de receio de como minha história vai ser interpretada porque existe muito preconceito em relação à depressão. Hoje em dia, percebo que tem uma tendência das pessoas em normalizar a depressão, mas é muito comum que eu me pegue pensando se esse dado vai prejudicar o modo como sou vista dentro de uma empresa. Não quero ser avaliada como uma pessoa frágil e problemática, alguém que possa "surtar" durante uma negociação.

Mas você está dando uma entrevista que pode ser lida por seus colegas e chefes…

Pois é, eu sei. Mas, como te disse, tomei a decisão de não esconder.

De qualquer maneira, você não se define como suicida, mas como ex.

Sim, porque o suicídio pode até passar pela minha cabeça, aquela vontade de sumir para acabar com os problemas e o sofrimento, mas a ideia dele não me domina mais, não prevalece. Não quero entender a morte como a solução para acabar com o sofrimento e a dor.

Hoje, falamos bastante em prevenção do suicídio. Alguma coisa poderia ter sido diferente na época em que você tentou se matar pela primeira vez?

Não sei. Eu tinha terminado meu noivado depois de uma briga muito violenta. Sofri muito. Chorava o tempo todo, perdi 15 quilos em dois meses. Minha família talvez não tenha percebido a gravidade da situação, eu não tinha intimidade para contar o que sentia, achava que não havia solução. Entrei em depressão, tentei o suicídio e meus pais nem sequer sabiam por que eu tinha terminado meu relacionamento. Enfim, eu escondi ao máximo o que acontecia comigo, aquela sensação de impotência, de depreciação. Não acreditava que havia saída para aquela dor.

Você me contou que, depois disso, sua família passou a levar a sério sua depressão e que isso a ajudou muito. Além disso, você comprou um casal de cachorros por sugestão de um psiquiatra.

Sim, o apoio ativo dos meus pais foi muito importante a partir daquele momento. Foi muito difícil para eles, muito dolorido… É dolorido até hoje, entendo que nenhum pai ou mãe está preparado para ver seu filho tentar se matar, mas para eles foi algo absurdo. Nunca tinham imaginado que pudesse acontecer comigo. Também tive o apoio do meu marido, que sempre entendeu meus momentos difíceis, deu o espaço que eu precisava durante todo o nosso casamento. Nos casamos um ano depois de minha primeira tentativa. Além disso, como eu já contei, meus cachorros foram minha salvação. Eles me fizeram sentir necessária, que eu precisava estar viva para cuidar deles… Outra coisa que me ajudou muito e também foi sugestão do psiquiatra foi buscar um hobby. Eu comecei a fazer aulas de dança de salão e conheci pessoas incríveis. Me senti acolhida de verdade, me identifiquei com aquele núcleo de pessoas que tinham histórias parecidas com a minha. Curioso isso, mas parece que ex-deprimidos, ex-ansiosos e ex-rejeitados acabam buscando as aulas de dança de salão.

Como você enxerga esse caminho até agora?

Um caminho difícil que eu reinicio muitas vezes. Acredite, ainda tenho recaídas, como agora, na pandemia. Mas eu valorizo minhas conquistas, gosto de ver onde cheguei. Estou sempre me reconstruindo, não quero voltar para trás.

Sobre a autora

Brenda Fucuta é jornalista, escritora e consultora de conteúdo. Autora do livro “Hipnotizados: o que os nossos filhos fazem na internet e o que a internet faz com eles”, escreve sobre novas famílias, envelhecimento, identidade de gênero e direitos humanos. Além de entrevistar pessoas incríveis.

Sobre o blog

Reflexões de uma jornalista otimista sobre nossa vida em comum

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