Dias de luto no Brasil: estamos perdendo universos
Todo dia morre alguém. E nasce alguém também. Modo de dizer, porque na verdade, só no Brasil, morrem cerca de 3,5 mil pessoas por dia e nasce mais do que o dobro disso. É tanto que poderia ser banal. Mas a morte, assim como a vida, é tudo menos banal.
Nos últimos dias, morreu a escritora Fernanda Young. Nunca a conheci, mas lamentei o fim da sua vida porque acredito que o mundo fica mais pobre sem a presença dela. No mesmo período, resultado de uma sucessão de queimadas criminosas, morreram também ecossistemas amazônicos conhecidos por guardar a maior biodiversidade do planeta.
Um cientista chileno chamado Francisco Varela dizia que, toda vez que uma pessoa morre, o mundo perde um universo. Varela foi biólogo e filósofo, assessor de Dalai Lama para assuntos científicos. Acreditava que cada um de nós constrói a própria realidade – o próprio mundo – e que, portanto, existindo bilhões de pessoas, existem também bilhões de realidades.
Essa ideia me encanta desde 2015, quando entrei em contato com entrevistas que Varela no final do século XX. Fiquei pensando nisso nos últimos dias com a conexão improvável que fiz entre a morte de Fernanda Young e as queimadas da Amazônia. Que tipo de universo estamos perdendo?
Por anos, a gente espiou parte do mundo criado por Fernanda Young. Sendo ela escritora e pensadora, dividiu a sua realidade subjetiva por meio de livros, roteiros, falas na TV. Era uma realidade iconoclasta, inconformada, engraçada, meio cínica e meio romântica. Nossa, como estamos precisando de gente assim agora, quando tudo parece sem graça! Com sua morte, nunca saberemos que outras realidades sua mente criativa dividiria conosco, mas o pedaço que vislumbramos, para mim, é inesquecível. Essa é a beleza da arte – registrar esses mundos para que outros possam contemplá-los, contestá-los, se chocarem e se encantarem com eles.
A Amazônia não é uma pessoa como Fernanda Young. A Amazônia é um universo objetivo, um ecossistema complexo, fabuloso, onde convivem plantas, mitos, povos, animais, fungos… Não é a primeira vez que queima, provavelmente não será a última. Mas que tristeza a gente varrer tantas realidades e riquezas do universo – este, sim, compartilhado.
Foram dias de luto.
Veja também
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