Amor de filho não é eterno. Pronto, falei
Ele me esperava na rodoviária e foi fácil reconhecê-lo pela foto do WhatsApp. Era o amigo de um amigo e precisava de carona por 56 kilômetros na estrada difícil da Serra da Mantiqueira.
Assim que ele entrou, começou a conversa social, o reconhecimento de terreno: onde ele mora, onde eu moro, no que trabalhamos; nossa, que inverno mais quente, e essas montanhas, não são um espetáculo? Tenho dois filhos e você? Não tenho filhos, acho que não deu tempo porque casei três vezes, hahahá.
Meia hora depois, eu calculo, tínhamos deixado as platitudes de lado e avançávamos nas complexas relações humanas. Por que é tão difícil conviver se é tão bom estar junto de outro ser humano? Por que os casamentos acabam na lama, se as pessoas se amavam tanto? E os relacionamentos em família, hein, são difíceis demais…
– Muita expectativa.
– A gente está sempre esperando algo do outro.
– Quando a pessoa não corresponde ao que idealizamos, tomamos como ofensa pessoal, não é?
– Nossa, quantas vezes a gente entra em um namoro esperando corrigir os defeitinhos do outro?
– Sabe – diz meu carona – acho que a relação onde isso mais acontece é da mãe com os filhos.
– Engraçado você falar isso.
– Eu sei, não tenho filhos, não é? Mas tive mãe.
Hahahá.
Daqui, vou partir direto para o relato muito subjetivo da conversa e tomar a responsabilidade pelo que vem a seguir. Meu carona acha que, na relação com os filhos, as mães têm esperado um amor que eles não podem dar. Na opinião do parceiro de viagem, é o tipo de coisa que só pode acabar em desapontamento porque, passada a infância e adolescência, os filhos não vão corresponder à intensidade do amor das mães.
Ah, eu vou amar meus filhos pelo resto da vida, já estou ouvindo você dizer. Ou: Bobagem, minha mãe é meu grande amor.
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O amor entre mães e filhos não só muda com o passar do tempo como também dessincroniza. Filhos que saem de casa, que se casam, que vão construir outros amores – eles não vão amar suas mães do mesmo jeito que amavam. Podem adorar, reverenciar até – brasileiros gostam de tratar mães como santas. Mas o amor da infância, simbiótico, incondicional, este passa e é bom que seja assim.
Quando chegam na adolescência, os filhos começam a se distanciar dos pais e vão em busca dos seus iguais. Hora em que o olhar de admiração é substituído pelo de constrangimento. Quando o abraço muito apertado na despedida na frente da escola se transforma em um "pode me deixar aqui mesmo" – a duas quadras de distância.
Sabemos que isso é doloroso, mas natural, porque temos consciência de que nossos filhos precisam criar a sua própria identidade. É também um comando biológico para coibir relacionamentos incestuosos, ruins para a espécie. Para evoluir, precisamos de genes novos.
Nesse sentido, não tenho como discordar do meu carona, mas confesso que levei um sustinho com a proposição, fui provocada a refletir sobre uma crença que, embora fantasiosa, me dava muito conforto. Muitas das mães que conheço, inclusive eu mesma, fomos da geração que acreditou que o amor pelo namorado ou marido pode acabar – e, de fato, um terço dos casamentos no Brasil termina em divórcio. Mas somos as mesmas mulheres que acreditaram também que, ao contrário, o amor entre mãe e filho seria infinito. E, como o meu parceiro de viagem disse: ele não é nem infinito e nem garante que nós vamos estar acompanhadas pelo resto das nossas vidas.
Se tudo der certo, teremos nossas conversas por telefone, nossos encontros semanais – incluindo noras, genros e netos – e um amor maduro, que não exige mais do que o outro pode dar. Vejo mães inconformadas com o pouco de amor que recebem dos filhos; outras, resignadas. Queria ver mais mães que planejassem, assim como planejam sua aposentadoria, outras fontes de amor para o dia em que o ninho ficar vazio. E isso foi o que aprendi numa carona de menos de uma hora de viagem.
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