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Brenda Fucuta

A guerra contra o cocô de cachorro

Brenda Fucuta

24/09/2017 08h00

Foto de Yamon Figurs/ Unsplash

Moro em uma pequena vila de casas simpáticas, ruas tranquilas, poucas crianças (elas já cresceram) e muitos cachorros. Grandes e pequenos, brincalhões e assustadores, vira-latas e com pedigree. No nosso grupo de WhatsApp dois temas são campeões de engajamento: segurança das casas e cocô de cachorro. No último debate sobre a questão, sugeriu-se que as câmeras de segurança fossem usadas para flagrar os sujões que estavam emporcalhando as calçadas.

Recolher as fezes dos cachorros faz parte de um princípio de boa convivência nas grandes cidades com o qual pouca gente discorda – se é que alguém discorda. Em São Paulo, inclusive, o não cumprimento da regra pode ser motivo de multa de R$ 10 reais. (Lei 13131.)

Mas não estou querendo falar do que os donos dos cachorros devem fazer. Quero falar da raiva que as pessoas estão sentindo quando o esperado não acontece. Estamos nos tornando irascíveis por motivos que, a meu ver, não merecem mais do que um palavrão. Estamos birrentos. E, na versão adulta, birra quer dizer agressividade. "Vigiem os donos dos cachorros; agarrem-nos; prendam; esfreguem o focinho deles no chão."

Cachorros fazem cocô e pisamos neles por décadas, séculos e milênios, pelo menos desde que os lobos se deixaram domesticar para ter acesso às sobras das comidas dos humanos. Isso faz parte da vida, é chato mas não é nenhuma tragédia. Por que, então, estamos tão transtornados com este assunto? Será parte de uma neurose urbana, uma espécie de TOC coletivo, uma mania de limpeza que nos ilude com a ideia de que devemos nos separar de tudo que nos parece sujo? (Não pisamos mais na terra, não suportamos a poeira nos móveis. Queremos tudo branco, tudo pavimentado, com muita água sanitária. E, de preferência, sem folhas e cocô na calçada.)

Ou será mais uma manifestação do nosso desejo de vigiar, estabelecer zonas de controle cada vez mais rígidas dos outros? O jornalista norte-americano Jon Ronson, autor do livro Humilhados, defende a tese de que as mídias sociais se transformaram num grande tribunal, no qual reputações são destruídas e discursos de ódio ganham cada vez mais espaço. Me pergunto se os grupos de WhatsApp estão se comportando como júris sedentos de sangue.

Além disso, para quem não sabe, o recolhimento do cocô pode deixar nossas calçadas mais limpas, mas não nossos esgotos ou nossos aterros. Jogá-los na privada, por exemplo, significa gastar água limpa para enviá-los ao lugar para onde eles iriam com a chuva: o esgoto. Na lixeira, ele vai se somar à matéria orgânica dos imensos depósitos de sujeira que infestam nossas cidades. Do ponto de vista ambiental, se formos sérios na luta contra os cocôs de cachorro teremos que ser mais sérios no recolhimento das nossas próprias fezes e adotarmos o banheiro seco, onde os dejetos se dejetos se juntam à serragem para se transformar, depois, em adubos de plantas. "Grave é a humanidade não ter ainda se ligado que é preciso arranjar soluções descentralizadas e sustentáveis para os próprios cocôs. Quando fizermos isso, é só agir da mesma forma com o cocô do cachorro", explica a jornalista, agricultora urbana e ativista ambiental Claudia Visoni.

Sobre a autora

Brenda Fucuta é jornalista, escritora e consultora de conteúdo. Autora do livro “Hipnotizados: o que os nossos filhos fazem na internet e o que a internet faz com eles”, escreve sobre novas famílias, envelhecimento, identidade de gênero e direitos humanos. Além de entrevistar pessoas incríveis.

Sobre o blog

Reflexões de uma jornalista otimista sobre nossa vida em comum

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