Topo

Brenda Fucuta

A moda de enviar nudes chegou às crianças?

Brenda Fucuta

20/07/2017 08h00

(Foto: iStock)

No dia 10 de julho, a polícia britânica divulgou a descoberta de um fato que leva a história dos nudes a outro patamar. Seu mais jovem indiciado tinha apenas 5 anos de idade – e havia sido interceptado pelos investigadores ao enviar fotos de seu corpo para outra criança por meio de um iPad.

Por que essa história é um caso de polícia? Porque na Inglaterra – assim como no Brasil – é proibido produzir, enviar e compartilhar fotos eróticas de crianças e adolescentes. Em teoria, menor de idade que manda nude de menor – mesmo que seja dele mesmo – está cometendo uma infração, enquadrada como pornografia infantil. (Se fosse um adulto enviando fotos de menores, seria crime passível de prisão.)

Isso justifica a interceptação e o barulho em torno do assunto? O garoto não será criminalizado, avisou o policial encarregado da diligência. Garotas no Brasil que enviam nudes também não costumam ser castigadas – explica uma advogada especializada no assunto – porque os juízes usam o bom senso e aplicam as penas previstas em lei apenas quando fotos explícitas são vazadas. (Embora nem sempre esses mesmos juízes considerem culpados os responsáveis pelos vazamentos.)

A batalha contra a pornografia infantil é uma das boas cruzadas, mas em nome dela estamos fazendo uma certa confusão. Ou não? Meu ponto se baseia em dois pontos:

  1. A sexualidade não é exclusiva dos adultos e por mais que os pais se sintam desconfortáveis com isso, ela existe é uma realidade da vida para bebês, crianças e adolescentes. Portanto, não é absurdo que um menino de 5 anos exerça sua sexualidade. Apenas não precisamos divulgar isso para o resto do mundo ou levá-lo à polícia.
  2. As fotos com pouca ou nenhuma roupa – os nudes – são uma prática muito popular do sexting (do inglês sex + texting). Quase metade de 2 mil pessoas entrevistadas em pesquisa do Ibope/Conecta, em 2015, disse ter recebido nudes alguma vez na vida. Como crianças copiam adultos e adolescentes, seria ingenuidade acreditar que elas, com livre acesso à tablets e tecnologias de comunicação e informação (as TICs) não fossem, em algum momento, achar engraçado ou interessante fazer aquilo que os outros estão fazendo na internet ou nos serviços de conversa privada, como WhatsApp e iMessage.

Estou estudando o assunto há mais de um ano, quando comecei a escrever um livro sobre a vida digital dos adolescentes. Entrevistando uma educadora do ensino fundamental de uma escola pública do ABC paulista soube que duas de suas alunas, de 9 anos de idade, tinham sido flagradas tirando selfies sensuais no banheiro do colégio. Isso aconteceu logo após o envio de nudes se transformar em moda entre os mais velhos, conta a professora.

Na minha opinião, os nudes em si não são um problema. Um estudo feito por uma psicóloga, Elizabeth Englander, com 617 jovens de 18 anos nos Estados Unidos concluiu que 80% dos que haviam enviado fotos sensuais para parceiros, namorados e ficantes não se arrependeram – porque não houve vazamento de fotos. Por outro lado, este mesmo estudo chamou a atenção para um grupo vulnerável – meninas com baixa autoestima que faziam sexting precocemente e como resposta à pressão dos garotos. Na verdade, esse sempre foi o grupo de risco em qualquer jogo de sedução em qualquer tempo. A maioria das meninas sabe dizer não a garotos insistentes; já algumas poucas têm dificuldade e costumam se decepcionar.

Existem alguns teóricos da era digital que acreditam num futuro em que os nudes realmente não seriam um problema já que não haveria segredos entre nós. Seria o fim da privacidade e o começo da publicização total – se todo mundo posta todos os detalhes de suas vidas, nada mais seria chocante.

Até chegarmos lá – e duvido que vamos chegar – os nudes deixam crianças e adolescentes vulneráveis simplesmente porque podem vazar. Em 2015, a maior violência reportada ao canal de denúncias da Safernet, ONG dedicada a proteger os direitos humanos na internet, foi exatamente o vazamento de fotos e vídeos sem o consentimento da vítima. E aí as coisas começam a se complicar. Ver o próprio corpo exposto na internet ou mesmo nos grupos de WhatsApp é traumático. Meninas que passaram por isso têm de enfrentar uma série de violências. A primeira é o choque pela traição – embora o sexting e os nudes sejam praticados por meninos e meninas, o principal responsável em casos de vazamento é o ex-namorado. A segunda violência é a humilhação pública – em geral, no ambiente escolar. A terceira: a reação da família. Um diretor de escola do Espírito Santo relatou a história de uma aluna que foi expulsa de casa pela mãe depois que fotos suas foram espalhadas nos celulares dos colegas do colégio. Ela tinha apenas 12 anos de idade.

O que fazer, então? Desconectar os filhos para impedir o sexting? Não. Intervenções radicais para controle do uso da internet pelos filhos são facilmente burladas e pouco eficientes.

Acredito que a única saída seja colocar o tema na roda, sem falsos pudores e sem medo. Vamos falar sobre violência de gênero e sobre sexualidade – inclusive com crianças. Vamos falar em casa e nas escolas. Falar do assunto não vai incentivar nem o envio de nudes e nem o vazamento, como temem muitos setores conservadores que estão afastando esta questão de saúde do debate escolar. Falar com clareza sobre o respeito às mulheres, o respeito às pessoas, as consequências do vazamento (que muitas vezes não são ponderadas pelo adolescente), o afeto e a confiança nos relacionamentos. Sexo não é feio quando há respeito e carinho pelo outro. E, aliás, sexo todo mundo faz – ou fez, algum dia.

Sobre a autora

Brenda Fucuta é jornalista, escritora e consultora de conteúdo. Autora do livro “Hipnotizados: o que os nossos filhos fazem na internet e o que a internet faz com eles”, escreve sobre novas famílias, envelhecimento, identidade de gênero e direitos humanos. Além de entrevistar pessoas incríveis.

Sobre o blog

Reflexões de uma jornalista otimista sobre nossa vida em comum

Blog Nós