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Brenda Fucuta

E se.... não existisse internet na quarentena?

Brenda Fucuta

18/04/2020 04h00

Foto:  Sharon McCutcheon/Unsplash

"Gente, hoje todo mundo no Zoom às 5 da tarde porque a cabeleireira do salão tal vai ensinar a pintar o cabelo em casa." Essa foi a grande notícia do dia em um grupo de amigas do WhatsApp. As cabeleireiras, que ninguém deve estar lembrando de ajudar com as contas, encontraram um jeito de prestar seus serviços online. Os professores de pilates já tinham aderido, os de cursos de língua também e até professores de piano, sem falar nos professores das escolas dos nossos filhos. E tem os psicanalistas, cuja resistência às novas tecnologias finalmente cedeu. Bem-vinda, teleterapia!

Você já pensou como seria este grande experimento social, a quarentena, sem internet? Sem happy hour virtual com os amigos? Para falar com mãe, pai e filhos, você usaria o telefone. Em vez de vê-los no vídeo do celular, teria que se contentar em ouvi-los. Para avisar a faxineira que ela deve ficar em casa, é provável que precisasse mandar um telegrama. Trabalho? Todo mundo de férias ou todo mundo juntinho no escritório passando mil perrengues, entre eles o de segurar o xixi o dia inteiro para evitar o banheiro coletivo com vírus. Escola dos filhos? Lições e provas chegariam pelo correio. O delivery funcionaria por meio do tradicional telefone, mas as linhas dos supermercados, das farmácias e das padarias ficariam congestionadas.

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As notícias chegariam atrasadas, caso você perdesse o jornal das 8h (na era pré-internet, o "Jornal Nacional" começava às 20h) e fosse lê-las no dia seguinte, na "Folha", no "Globo" ou no "Estadão". Ah, você gostaria de ter acesso a uma análise mais aprofundada sobre a situação do SUS? Então, teria que esperar uma semana pela "Veja". Ou "Época". Ou "Istoé". Se quisesse saber se alguém no prédio contraiu a Covid-19 ou se algum vizinho idoso precisa de ajuda, o grupo de condomínio nos aplicativos de celular não seria uma opção. Restaria recorrer ao porteiro.

Ah, sim, e o departamento do lazer e do entretenimento, como seria? Escolheríamos entre livros, jogos de tabuleiro, filmes da TV ou dos DVDs da sua coleção – as videolocadoras, que não seriam consideradas serviços essenciais, estariam fechadas. Música? Em vez das infinitas listas do Spotify, nos restariam os limitados CDs das prateleiras.

Alguém mais nostálgico pode até gostar desse cenário da quarentena offline. Eu mesma não acho ruim passar o tempo com meus livros. Mas acho péssimo ser impedida de pesquisar no Google sobre algo que acabei de ler: uma palavra que desconheço, um personagem histórico que me despertou a curiosidade, detalhes sobre a vida do autor que a orelha do livro ignorou. Pensar em não ter Netflix, então, chega a me dar arrepios. Abstinência.

Sem internet e as tecnologias de comunicação e informação, tenho certeza de que o consumo de ansiolíticos entre os brasileiros chegaria a um patamar intergaláctico. Estaríamos desconectados de quem nos importa e estaríamos emparedados, sem lugar para escapar, sem um jogo online ou um seriado por streaming. Sem notícias sobre a pandemia, minuto a minuto, nos portais, no Twitter, na Globo News, no email. (Embora uma dieta mais frugal de notícias sobre o tema não pareça tão ruim neste momento. Chega uma hora em que o monotema cansa.)

As levezas, os aparentes supérfluos, são fundamentais para nos manter sadios mentalmente. Mas a internet obviamente está muito além disso. Campanhas solidárias, que dependeriam majoritariamente de doações de grandes empresas, agora ganham escala com o crowdfunding, a vaquinha virtual. Acadêmicos se juntam a engenheiros e inventores amadores para tentar desenhar respiradores em grande quantidade. Cientistas se agrupam para estudar o contágio, trocar informações que podem acelerar a descoberta da vacina. Designers e makers imprimem máscaras para os profissionais de saúde com a tecnologia 3D.

Os exemplos de conexões positivas possibilitadas pela web são inesgotáveis. (Neste texto, decidi não falar do lado sombrio da força, dos golpistas e dos escroques que sempre existiram e existirão, independentemente da tecnologia à disposição no momento.) Se ela, a rede, serve para nos divertir, entreter, ensinar a pintar o cabelo, também serve para produzir agilidade nas soluções. Não é a primeira vez que a humanidade se mostra solidária diante de uma crise, mas talvez seja a primeira vez que a solidariedade, vitaminada pela rede, produz resultados de grande impacto.

Dito tudo isso, fico pensando: como vai ser nossa visão da internet depois da Covid-19? Só para lembrar: a gente estava flertando com a visão de uma rede tóxica, que nos robotizava, nos tornava menos humanos. Nossa preocupação, antes de tudo isso acontecer, era com a dependência do celular, com a falta do olho no olho. O debate sobre o excesso de internet nas nossas vidas partirá de que ponto, agora? Depois da pandemia, quando sairmos às ruas, teremos uma opinião diferente sobre muitas coisas. Questionaremos, assim espero, verdades absolutas.

Vinte e cinco anos atrás, vivíamos de um jeito muito diferente. A internet comercial só chegou ao Brasil em 1995. A Netflix foi criada em 1997, o Google, um ano depois. Facebook e WhatsApp, hoje do mesmo dono, são deste século – 2004 e 2009 –, assim como o Youtube, de 2005, e a tecnologia 3G, no Brasil desde 2004.  Se o novo coronavírus tivesse se adiantado um pouco em sua decisão de virar o mundo de cabeça para baixo, nós estaríamos perdidos. Ou de cabelos brancos.

Sobre a autora

Brenda Fucuta é jornalista, escritora e consultora de conteúdo. Autora do livro “Hipnotizados: o que os nossos filhos fazem na internet e o que a internet faz com eles”, escreve sobre novas famílias, envelhecimento, identidade de gênero e direitos humanos. Além de entrevistar pessoas incríveis.

Sobre o blog

Reflexões de uma jornalista otimista sobre nossa vida em comum

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