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Brenda Fucuta

Como não tratar idosos com “idadismo”? Professora de gerontologia explica

Brenda Fucuta

28/03/2020 04h00

Deusivania Falcão, psicóloga especialista em longevidade.           Foto: Mayra de Paula

Há poucos dias, circulou nas redes sociais fake news assustando os idosos: eles ficariam sem receber a aposentadoria se desrespeitassem o isolamento recomendado para evitar o contágio do coronavírus. Na mesma semana, o prefeito do Rio de Janeiro anunciou que isolaria os velhinhos das favelas em hotéis desocupados. Finalmente, no dia 23, foi a vez do prefeito de Porto Alegre mandar multar os velhos que saíssem às ruas sem justificativa. 

Está difícil para todo mundo, mas está muito pior para quem tem mais de 60 anos. Para avaliar sobre o impacto emocional e familiar da pandemia de covid-19 entre os idosos, conversei com a doutora Deusivania Falcão, psicóloga e professora livre-docente dos cursos de graduação e pós-graduação em Gerontologia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo.

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Na sua opinião, por que muitos idosos estão resistindo às medidas de isolamento?
Vamos atentar para o fato de que não são apenas os idosos que estão resistindo às medidas de isolamento. Pessoas de diferentes faixas etárias continuam pouco informadas sobre a seriedade da doença. Há várias causas para isso, por exemplo: a pessoa pode sofrer de algum transtorno psíquico, ter dificuldade para mudar a rotina ou ter necessidade de sair para as ruas porque precisa ganhar o sustento diário. Além disso, existem aquelas que negam a doença, adotando um "pensamento mágico" para lidar com a situação. Preferem continuar fazendo tudo igual e acreditando que não serão contaminadas. Diante desse cenário, precisamos agir com otimismo, mas,também, sermos realistas, observando os danos que a doença já causou mundialmente e adotando as medidas recomendadas pela Organização Mundial de Saúde para preveni-la.

Mas várias reportagens mostram muitos idosos que não se isolaram.
O fato de os idosos serem um grupo de risco os tornam mais evidentes nesse momento. Eles ganharam uma visibilidade inédita, são personagens de inúmeras reportagens e foco da atenção midiática se comparados às outras faixas etárias. Infelizmente, essa visibilidade ocorreu por causa dessa preocupante pandemia.

Gostaria de ouvi-la mais sobre o comportamento do idoso em relação a ser "orientado" pelos mais novos. Eles costumam não gostar – ao ponto de ser chamado de teimoso muito recorrentemente pelos filhos.
Essa é uma questão complexa e envolve aspectos ligados a uma série de fatores. Existem pessoas de todas as idades que são teimosas, mas esse traço de personalidade parece ter "colado" nos idosos. Por quê? Pelo menos duas razões podem explicar esse fenômeno. A primeira é o idadismo, que envolve o preconceito e as ações discriminatórias com base na idade, sobretudo em relação às pessoas mais velhas. Por exemplo: a ideia de que todos os idosos são sábios e teimosos. Essas são crenças preconcebidas que temos, mas a velhice é heterogênea, assim como qualquer outra fase da vida. A outra razão, eu acredito, pode ser explicada pela estrutura e a dinâmica familiar. No geral, os pais e avós idosos que não possuem comprometimento cognitivo ou alguma enfermidade que os impeçam de atuar ativamente, possuem um nível hierárquico de poder mais alto dentro do grupo. Receber ordens dos filhos e netos pode ser para eles uma ameaça à autonomia e ao poder que têm. Por outro lado, há situações em que ocorre uma inversão hierárquica de papéis. Filhos, que antes obedeciam aos pais, agora são os que dão ordens ou que orientam – especialmente quando estes são acometidos por alguma demência. Para os idosos, é muito difícil aceitar essa inversão. Nada mais natural que eles resistam. Qualquer um resistiria. Imagine você, agora, recebendo ordens do seu filho.

Eu já ouvi muitos relatos de pessoas que passam a resistir ao banho, por exemplo, depois que envelhecem.
Recomendo investigar quais os reais motivos para a recusa de tomar banho, buscando resolver o problema que realmente incomoda a pessoa. No caso daquelas que tenham a teimosia como um traço de personalidade, é comum observar a tendência de elas ficarem agressivas ou se afastarem. Isso ocorre com mais frequência em situações específicas como a dos idosos que possuem algum tipo de demência. Mas, independentemente de ter ou não uma demência, é fundamental estabelecer uma rotina. Desse modo, a pessoa idosa se acostuma com o banho e entende que esse momento faz parte de suas atividades diárias. Para facilitar, podemos lembrá-la que o banho está próximo, assim ela fica ciente de que está chegando a hora. Por exemplo, se ela está assistindo televisão, pode ficar irritada se você chega desligando o aparelho e levando-a para o banheiro. Diálogo e bom senso são fundamentais. Se não houver ponderação, conscientização sobre a doença, respeito e paciência, os relacionamentos entre os idosos e aqueles que o cercam tenderão a ficar cada vez mais disfuncionais.

E, no caso do coronavírus, é exatamente o que está acontecendo.
Exato. Em situações críticas, muitas famílias confinadas estão ficando cada vez mais estressadas. Porém, devemos ressaltar que cada família tem sua dinâmica e estrutura próprias, possui regras, valores e padrões que foram sendo construídos ao longo de sua história. Portanto, a maneira como cada família e seus membros lidam com esse período dependerá do tipo de sistema que criaram no decorrer dos anos, dos recursos que possuem e da capacidade de ajuste, flexibilidade e adaptabilidade às novas exigências. Se a família já tinha pouca comunicação e tinha dificuldade no relacionamento intergeracional, isso tende a se acentuar com o coronavírus devido à pressão social, ao estresse, à convivência compulsória e aos desafios de ordem emocional e econômica.

Tem jeito de melhorar o relacionamento?
Tem. Filhos e netos precisam reconsiderar algumas atitudes e colocar em prática alguns valores para convivência – por exemplo, a comunicação, a tolerância, a responsabilidade, a empatia e a solidariedade. É preciso dar voz às pessoas idosas, incentivando a autonomia, validando as experiências de vida delas, ouvindo as reminiscências que elas têm para compartilhar. Na situação em que vivemos, pode ser relevante pedir que o idoso relate algum episódio na sua história em que ele tenha visto a população passar por grandes dificuldades. A fome diante das secas, as vivências durante a guerra, a inflação descontrolada, a falta de mantimentos… É válido refletir sobre o modo como a família reagiu para superar essas dificuldades na época. Se conseguirmos estabelecer uma conexão entre essas experiências, vamos ajudá-lo a entender o que está acontecendo. Ao mesmo tempo, ele sentirá que tem um papel ativo na crise de hoje. Também, é preciso destacar que, se por um lado, a situação que envolve a covid-19 desencadeia estresse, medo, sofrimento e outras condições adversas que levam à vulnerabilidade, por outro, estimula a superação, a capacidade de reação e de enfrentamento, as forças psicológicas e as competências socioemocionais, fortalecendo a resiliência individual e familiar e, consequentemente, o relacionamento intergeracional, mesmo quando se vive em condições desfavoráveis.  

O isolamento é uma das causas de depressão entre idosos, certo? Como encarar este isolamento forçado?
Bem, não precisamos nos isolar socialmente, apenas fisicamente. Há vários meios de comunicação que podem facilitar a interação social e promover a saúde e o bem-estar. A situação que estamos vivendo é uma medida preventiva e de caráter transitório. Pesquisas científicas já indicaram que várias pessoas dessa faixa etária também têm grande capacidade de resiliência e, diante das perdas, tendem a organizar seu ambiente a fim de maximizar os afetos positivos e amenizar os negativos, indicando uma habilidade de autorregulação emocional. Os meios de comunicação virtual também favorecem a atuação da rede de apoio social. Nesse sentido, os familiares podem incentivar os idosos a utilizarem esses meios como um auxílio para praticar atividades físicas em casa, conversar com os amigos, assistir programas que desenvolvam a espiritualidade, realizar terapia online com psicólogos e consultas com outros profissionais de saúde etc. Em casos em que os idosos não dominam a tecnologia, as famílias precisam desenvolver outras estratégias para se comunicar com eles.

Que estratégias?
A primeira é se informar sobre os cuidados que temos que ter com essa população e adotar todas as medidas preventivas. É incrível o tipo de dúvida que as pessoas ainda têm. Por exemplo: uma pessoa me perguntou se deveria trancar a avó em um quarto e só abrir a porta para passar a comida. Claro que não! Isso não seria isolamento, seria prisão. Mas as pessoas que estão confinadas em casa com os idosos também podem ensiná-los a utilizar as tecnologias de informação e comunicação. Nos casos de idosos que estão sozinhos, é importante monitorar, telefonar diariamente e dar apoio quanto à compra de alimentos, medicação ou qualquer outra necessidade. Podemos, também, fazer uso de outros recursos: incentivá-los a ouvir músicas que eles gostam, conversar, assistir filmes, fazer uso de jogos, artesanatos, praticar meditação, rever álbuns de fotografia e elaborar uma árvore genealógica representando as várias gerações da família. Uma boa dica é evitar deixar a TV ligada o dia todo nas notícias da pandemia. É interessante escolher um momento específico do dia para acompanhar as notícias com eles. Esse pode ser um período de reflexão e uma oportunidade de reavaliarmos a vida, buscando agir com criatividade, assertividade e compaixão.

Sobre a autora

Brenda Fucuta é jornalista, escritora e consultora de conteúdo. Autora do livro “Hipnotizados: o que os nossos filhos fazem na internet e o que a internet faz com eles”, escreve sobre novas famílias, envelhecimento, identidade de gênero e direitos humanos. Além de entrevistar pessoas incríveis.

Sobre o blog

Reflexões de uma jornalista otimista sobre nossa vida em comum

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