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Brenda Fucuta

Por que entramos em pânico com o coronavírus e não ligamos para a dengue?

Brenda Fucuta

17/03/2020 04h00

Altay de Souza, PhD em psicobiologia. Foto: Arquivo Pessoal.

Aulas suspensas, fronteiras fechadas, proibição de ir e vir: o pânico se instalou. Há pouco mais de dez anos, o vírus da influenza, o H1N1, causador da gripe suína, também se alastrou pelo mundo e fez com que vários países, inclusive o Brasil, controlassem aeroportos e entrassem em estado de alerta para lidar com a pandemia. (Entre abril de 2009 e agosto de 2010, mais de 18 mil pessoas morreram por causa das complicações da gripe suína. No ano passado, em 2019, ela matou mais de 700 pessoas no Brasil, apesar de já existir vacina contra a doença.)

Primos deste mesmo coronavírus, causador da doença Covid-19, circularam entre nós em 2002 e 2003, provocando mortes pela SARS (síndrome respiratória aguda grave) e, há oito anos, pela MERS, do inglês Middle East Respiratory Syndrome – esta última concentrada no Oriente Médio, Europa e África.

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Mesmo assim, a ansiedade da população não chegou ao mesmo nível de agora. O que diferencia nosso comportamento diante deste coronavírus? Por que não reagimos da mesma forma à dengue, que continua adoecendo mais de 1 milhão de brasileiros? O que justifica esse pânico, que faz pessoas esgotarem os estoques de álcool gel e de máscaras das farmácias e entupirem suas despensas com água, papel higiênico e enlatados, como se estivéssemos à beira do fim do mundo?

Para responder a essas perguntas, conversei com o cientista Altay de Souza, pesquisador PhD do Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e divulgador científico do podcast Naruhodo.

Por que as pessoas estão em pânico com este coronavírus? Como explicar esse comportamento? Não tem apenas um porquê, mas um conjunto de causas que gera esse cenário de pânico. Toda mudança que parece fora do nosso controle traz consigo uma sensação de medo e desamparo. Quando a causa da mudança ou de um fenômeno é mais próxima da gente, achamos que nossa capacidade de controle é maior e, nesse caso, não prestamos muita atenção nele, simplesmente dizemos "sempre foi assim " ou "não é comigo". Naturalizamos o fenômeno. Por isso, não nos damos conta de que só no ano de 2019 tivemos quase 1,5 milhão de casos de dengue, um aumento de quase 500% em relação a 2018. E mais: a dengue apresentou um número absoluto de mortes maior do que a do coronavírus na população geral. Mesmo assim, não nos apavoramos mais com a dengue porque nos acostumamos a ela e estabelecemos estratégias comportamentais que reduzem nossa sensação de perigo frente ao mundo, garantindo alguma previsibilidade sobre o que vai acontecer.

Então entramos em pânico porque o vírus é desconhecido? Parte do pânico tem a ver, sim, com essa sensação de falta de controle. Existe na Psicologia um efeito chamado Yerkes-Dodson que relaciona excitabilidade e performance. Se queremos ter um comportamento mais adaptado e correto diante de uma situação, um certo nível de atenção e estimulação é sempre necessário. No entanto, quando essa estimulação fica muito grande – caso do pânico –, perdemos a atenção e passamos a ter um comportamento estereotipado, sem autocontrole sobre riscos e ganhos. Simplificando, perdemos a sensatez, tomamos decisões pouco inteligentes. Esse é o caso das pessoas que vão na farmácia e compram todo o álcool gel do local, mas não compram sabonete, mesmo tendo sido informadas que lavar as mãos com sabão também é uma estratégia muito eficiente contra o vírus. Ou daquelas pessoas que, para negar o risco, apelam para técnicas, receitas ou práticas alternativas que não têm eficácia comprovada.

Voltando ao exemplo que você mesmo deu, por que isso não acontece com a dengue? Temos também que considerar uma questão social envolvida. Os casos de dengue não são igualmente distribuídos geograficamente. Eles se concentram em regiões com menor renda e informação. Por isso, são menos notados pela mídia e tomadores de decisão que, em geral, vêm de camadas sociais mais altas. Com o coronavírus, a situação é diferente: os primeiros casos vieram de pessoas com renda mais alta, que viajaram para o exterior, e com grande repercussão midiática. Com certeza, a questão da pandemia do coronavírus é para ser levada seriamente, mas nossa reação frente a ela fala muito sobre como somos e o que nos divide.

Sabemos que o pânico é altamente danoso em situações de perigo. Como explicar a existência dele, do ponto de vista biológico? O ser humano é imediatista e isso faz com que o medo tenha maior capacidade de mobilização do que a solidariedade, por exemplo. O imediatismo nos serviu muito bem até aqui, nos ajudou a sobreviver como espécie. Além disso, por séculos, acreditamos que a natureza foi feita para servir ao homem e que bastaria desenvolver a tecnologia e engenho necessários para mudar a realidade. Bem, essa crença não se sustenta mais. A natureza tem regras próprias, os recursos não são infinitos e o imediatismo, nesse momento, não mais ajuda a espécie a sobreviver. Para garantir a sustentabilidade de nossa existência, precisamos reduzir o dano que causamos à natureza e precisamos aprender a medir as consequências de nossas ações no mundo.

Tem jeito de reduzir a histeria, evitar o pânico em massa? As pessoas precisam se dar conta de que não vamos viver uma nova Gripe Espanhola de 1918, que matou milhões de pessoas há pouco mais de um século. Nunca tivemos, na história, tantas ferramentas para lidar com uma pandemia como temos agora, graças ao conhecimento científico que nos trouxe evolução tecnológica e capacidade de previsão. E isso é uma ótima notícia porque vamos ter outros casos de pandemias como essa no futuro. A questão não é se vamos ter, mas quando elas acontecerão. Para enfrentá-las e combater o pânico, na minha opinião, a melhor maneira é nos prepararmos, investirmos em ciência, educação e tecnologia de forma consistente. É isso que vai garantir nossa sobrevivência no futuro.

Se o pânico é irracional, faz sentido suspender aulas nas escolas, por exemplo? Faz sentido, sim, sobretudo porque, sendo a transmissão do vírus pelo ar e pelo contato próximo,  aglomerar pessoas se transforma em uma péssima ideia. Além disso, ou por causa disso, o número de pessoas infectadas aumenta exponencialmente. Logo, a cada ciclo de infecção, no mínimo se dobra o número de casos existentes. Para tratar os pacientes e diminuir o número de mortes e complicações da doença, temos de reduzir a velocidade de expansão da infecção. Na prática, temos que evitar que as pessoas fiquem doentes ao mesmo tempo, o que sobrecarregaria o sistema de saúde a ponto de deixar pessoas infectadas sem tratamento adequado. Ou seja, temos que substituir o pânico pelo bom senso e pela solidariedade.

Sobre a autora

Brenda Fucuta é jornalista, escritora e consultora de conteúdo. Autora do livro “Hipnotizados: o que os nossos filhos fazem na internet e o que a internet faz com eles”, escreve sobre novas famílias, envelhecimento, identidade de gênero e direitos humanos. Além de entrevistar pessoas incríveis.

Sobre o blog

Reflexões de uma jornalista otimista sobre nossa vida em comum

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