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Brenda Fucuta

"Os héteros acham que gay tem que apanhar sem bater de volta"

Brenda Fucuta

25/01/2020 04h00

Foto: Lopez Robin/Unsplash

Faz seis anos que André, 21 para 22, trabalha como empacotador em um supermercado onde costumo fazer compras. Já me ajudou a levar sacolas para o carro muitas vezes. Nesse supermercado, entre caixas, empacotadores e outros funcionários, trabalham cerca de 50 pessoas. André e um único colega são declaradamente gays. Sempre que o vejo, no meio de tanta gente, imagino como deve ser gay em um ambiente que eu, presumo, seja machista. Como é uma presunção, decido conferi-la. Em uma das vezes que André me acompanha até o carro, nós combinamos de conversar. Ele se incomoda de falar sobre homossexualidade e ambiente de trabalho? "Não", responde André. "Pode falar comigo? Eu sou jornalista." Ele começa a pensar e eu percebo que está pesando as consequências. "Não vai te prejudicar no trabalho", garanto. "Vou trocar seu nome e não vou identificar a empresa." André, nome que dei a ele nesta entrevista, concorda. A seguir, um resumo da nossa conversa.

 

Você ficou assustado quando comecei a falar sobre homossexualidade? Assustado, não. Fiquei nervoso, porque nunca dei entrevista. Mas não me incomodo de falar desse assunto.

E se você não fosse gay? Ou não fosse assumido? Ah, isso não ia acontecer. Sei que demonstro que sou homossexual. Sou comunicativo, gosto de dançar, brincar, dar risadas. Um colega meu [caixa no supermercado], que também é homossexual, é mais sério, na dele. As pessoas dizem que somos muito diferentes e eu acho que elas querem dizer que ser mais discreto facilita as coisas, fica mais fácil de ser aceito. Mas sei que meu modo de falar e de andar entregam.

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Fiquei pensando como deve ser sua vida em um ambiente de trabalho com tantos homens héteros. É difícil ou eu estou imaginando coisas? Não vou dizer que é fácil… Principalmente no começo, fiquei muito incomodado com as brincadeiras, as piadinhas. Mas eu era muito novo, tinha só 16 anos, e não sabia como me defender. Agora que ganhei mais clareza e maturidade, tenho argumentos quando querem mexer comigo.

Que argumentos? A gente vai conseguindo desviar das brincadeiras. Quando a brincadeira está incomodando, eu consigo dizer: peraí, vamos esclarecer as coisas? Ou, em vez de ficar chateado, posso levar numa boa e dar risadas. Quando comecei a trabalhar aqui, eu entrei meio acanhado. O preconceito me abalava muito, baixava minha autoestima de um jeito muito forte. Então, quando os colegas perguntavam se eu era bicha, eu respondia que não. Hoje em dia, eu tenho clareza do que sou, de que posso ser quem eu sou. E aprendi a diferenciar brincadeira de agressão.

 Você sofreu alguma agressão? Tem aquelas agressões de todo dia, as brincadeiras de hétero, tipo: "E aí, você pegaria o André?". Mas agressão mesmo aconteceu quando um colega me deu um tapa na cara. Ele ainda trabalha aqui e mexe com todo mundo, provoca as pessoas. Até hoje me persegue.

O que aconteceu? Ele começou a mexer comigo, do nada, a me ameaçar, xingar. Acho que ele pensava que, como sou gay, não ia reagir. Isso é muito comum, né? Os heterossexuais não conseguem entender os gays, sempre se comparam com a gente. Acho que pensam "mas como você não gosta do mesmo que eu gosto se você é homem como eu?" Outra coisa que eles pensam é que o gay deve apanhar e não revidar, acreditam que a gente não pode se defender fisicamente.

Você reagiu? Depois que ele me deu um tapa, eu dei outro tapa nele. Ia ficar quieto, apanhando?

O que a empresa fez? Separaram a gente e fomos pra gerência. Você acredita que ele continuou me ameaçando? No fim, os gerentes deram advertência para os dois. Não achei certo, porque foi ele que começou, mas… Pelo menos não fui mandado embora.

Você se sente respeitado no ambiente de trabalho? Hoje em dia, sim.

Se sente respeitado pela sua família também? Humm… Eu moro com minha avó desde os 17 anos. Adoro ficar com ela, sempre gostei. Na casa dos meus pais, eu não tenho todo esse carinho. Minha avó e eu temos uma conexão, ela sempre me deu espaço para ser quem eu sou. Minha mãe nunca aceitou minha sexualidade, ela é evangélica e você sabe como é, eles não aceitam mesmo. Mas melhorou, até. Quando eu era criança, minha mãe ficava muito nervosa se me pegava calçando os sapatos dela para brincar. Ela ficava tão passada que me batia, não sabia o que fazer. Hoje, a gente convive.

O que mudou? É como eu disse antes. Eu fiquei mais maduro, ganhei clareza sobre quem eu sou. Tenho argumentos para me defender. Minha mãe… Acho que, no fundo, ela quer que eu case com mulher, mas me aceita melhor agora.

Sobre a autora

Brenda Fucuta é jornalista, escritora e consultora de conteúdo. Autora do livro “Hipnotizados: o que os nossos filhos fazem na internet e o que a internet faz com eles”, escreve sobre novas famílias, envelhecimento, identidade de gênero e direitos humanos. Além de entrevistar pessoas incríveis.

Sobre o blog

Reflexões de uma jornalista otimista sobre nossa vida em comum

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