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Brenda Fucuta

No Dia Internacional da Menina, garotas ocupam prefeituras e empresas

Brenda Fucuta

11/10/2019 04h00

Alijah, que ocupou a prefeitura de São Paulo no ano passado, e o prefeito Bruno Covas

Pena que nem eu nem você tenhamos neste dia 11 uma audiência com o prefeito da cidade maranhense de Peritoró ou com a procuradora-geral da Bahia. Ou ainda uma reunião com a diretora de marketing da empresa Body Shop, em São Paulo. Se tivéssemos esse tipo de compromisso na agenda, encontraríamos Naiele, 17 anos, Glenda, 15, e Maria Marta, 19,  nas cadeiras do prefeito, da procuradora-geral do Ministério Público e da diretora de marketing.

Essa troca de lugares faz parte da campanha #MeninasOcupam, criada pela organização humanitária Plan International Brasil há três anos. A substituição de líderes da vida pública e privada por garotas acontece sempre na semana que marca o Dia Internacional da Menina, 11 de outubro. No Brasil, a campanha está na terceira edição e envolve algumas empresas, câmaras de vereadores e assembleias de deputados, prefeituras, governos de estado e até uma embaixada, a da Suécia.

Cento e cinquenta meninas foram preparadas para viver essa experiência e inspirar outras garotas a ocupar posições importantes na sociedade. Para saber mais sobre o movimento, conversei com a gerente de gênero da Plan no Brasil, Viviana Santiago.

O que vocês querem com esse movimento? 

Queremos chamar a atenção das meninas e da sociedade em geral para algo que costuma ter muitas barreiras: o desenvolvimento pleno do potencial das garotas. Queremos também falar das violências que as meninas sofrem e dos direitos aos quais elas não têm acesso. Por exemplo, a gravidez na adolescência está regredindo lentamente no Brasil, mas aumenta na faixa dos 10 aos 12 anos de idade. A cada quatro horas, uma menina é estuprada no país; 94% delas fazem trabalho doméstico o que, muitas vezes, reduz o tempo para estudar, para o lazer e o descanso, fundamentais na infância e na adolescência. Por isso, além da celebração, temos que chamar a atenção para o que não está certo.

Como funciona o movimento? Quem são as meninas que ocupam lugares de presidentes, CEOs, prefeitos?

São meninas que já participam dos projetos da Plan International, em vários estados, e que se interessam pelo movimento. Elas fazem oficinas preparatórias, quando a gente senta e conversa sobre o trabalho de um vereador, um prefeito… O objetivo é que elas entendam quem decide sobre os direitos delas. Depois, a gente recebe a lista das entidades que toparam participar do movimento: prefeituras, governos, empresas, programas de TV. Para fazer uma mudança, a gente precisa da participação de todo mundo, não só de cargos públicos. Aí, as meninas vão se identificando com algum cargo ou área. Algumas não se sentem prontas, então ajudam outras a escrever seus discursos ou a fazer a divulgação de eventos.

O projeto é lindo, mas deixa um resultado concreto? 

Sim, é incrível o que acontece com o lugar que recebe a ocupação. A presença da menina muda a dinâmica do lugar. Muitas falam sobre a vida delas e das meninas brasileiras em câmaras de vereadores, por exemplo. Outras têm a oportunidade de participar de reuniões de trabalho, como aconteceu na Prefeitura de Teresina, no ano passado. Além de falarem, de ficarem visíveis para os adultos, elas costumam fazer combinados. A OAB do Maranhão, depois de ser ocupada, assinou um termo de compromisso para garantir uma vaga para adolescentes nas comissões de trabalho. Salvador está lançando o primeiro Plano Municipal de Políticas Públicas para meninas. Mas o melhor resultado talvez seja a própria experiência da garota. Ela percebe que pode. É muito comum que, depois dessa experiência, elas se engajem em grêmios e movimentos jovens.

Viviana Santiago, da Plan International

No Brasil, mulheres estão à frente dos homens em escolaridade, principalmente se falarmos do número de graduados. Ao mesmo tempo, ainda somos o quarto país que mais casa meninas com menos de 18 anos. Como explicar isso?

De fato, se pensarmos no acesso à educação, principalmente de base, temos números favoráveis às meninas, ainda que as escolas e os currículos não considerem as necessidades femininas. Por exemplo: grande parte das garotas brasileiras menstruam pela primeira vez na escola. Isso não é algo irrelevante. Mesmo assim, as escolas não têm absorventes, não se preparam para acolher e orientar as meninas. Menstruação ainda é tabu. Mas, falando dos casamentos, acho importante entender que muitas adolescentes, ao terminar o ensino médio, na região onde moram, sentem que não têm mais o que fazer. Engravidar e casar, então, parece ser o único destino possível.

Mas isso não acontece com os meninos também? 

Não. O casamento de garotas menores de 18 anos sempre envolve homens mais velhos, em média nove anos mais velhos. E, por isso, é importante falar também do papel da família. Muitas famílias continuam achando que o casamento é a melhor solução para uma adolescente. Ou porque ela engravida, ou porque é muita namoradeira. Desconsideram que a gravidez adolescente é de alto risco, que ela atrasa os estudos, que o casamento muitas vezes expõe as filhas à violência e ao não desenvolvimento completo de seu potencial. Uma menina que tem acesso aos seus direitos, à educação, à saúde, à uma vida sem violência, que vive em um contexto desses, não precisa casar para fugir. Ela aprende a se reconhecer como pessoa, consegue sonhar e ver mais longe.

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O que você acha que mudou entre as duas últimas gerações de meninas? 

A última geração tem muita potência. Por causa da internet, elas podem fazer grupos e espalhar notícias. Escrever suas histórias, denunciar violências, compartilhar conhecimentos e experiências. Eu acho que, porque elas têm acesso às tecnologias de informação e comunicação, pela primeira vez as meninas estão hackeando o sistema.

O que você gostaria de dizer à ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos no Dia das Meninas? 

Eu diria a ela algo que diria também aos pais. Não esqueçam que as meninas são pessoas em desenvolvimento, têm direitos. E que nós, adultos, temos a responsabilidade de garantir o acesso a eles, que são, entre outras coisas, o direito à educação, ao lazer, ao esporte, a uma vida livre de violências, o direito de descansar, de conviver e de participar das decisões. Não vamos permitir que as meninas deixem de fazer algo por serem meninas. Não vamos permitir que as meninas sejam obrigadas a fazer algo porque são meninas.

E os meninos? 

Os meninos também estão engajados com este dia. A Plan International atua em 76 países na proteção de crianças e adolescentes e seus projetos impactam 18 milhões de meninas e 16 milhões de meninos. No Brasil, os meninos vão falar, com outros meninos, da importância de reconhecer os direitos das meninas.

Sobre a autora

Brenda Fucuta é jornalista, escritora e consultora de conteúdo. Autora do livro “Hipnotizados: o que os nossos filhos fazem na internet e o que a internet faz com eles”, escreve sobre novas famílias, envelhecimento, identidade de gênero e direitos humanos. Além de entrevistar pessoas incríveis.

Sobre o blog

Reflexões de uma jornalista otimista sobre nossa vida em comum

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