Topo

Brenda Fucuta

Me mandaram emojis no aniversário. E não achei ruim

Brenda Fucuta

11/08/2019 04h00

Foto: Fausto Garcia/Unsplash

Muita gente está falando sobre como as interações nos desumanizam, nos tornam robóticos. "Cadê o olho no olho? Cadê a leitura dos gestos? A entonação?" Em fevereiro, o site da revista norte-americana Psychology Today publicou um artigo que tocava no tema. Nele, o pesquisador Stefan Hofmman, do Centro de Ansiedade e Transtornos Relacionados, da Universidade de Boston, dizia: "Estamos programados evolutivamente para estar com alguém na vida real… A proximidade física está diretamente relacionada à conexão, a como você realmente se sente com alguém. O cheiro de uma pessoa, o contato visual, os pequenos sinais faciais que sugerem emotividade, esquisitices de uma pessoa, tudo isso. Você nunca pode recriar isso em formato eletrônico". Parece óbvio, mas será mesmo?

Claro que a relação que chamamos de real, corpo com corpo, voz com voz, nos parece muito mais humana. Como disse o pesquisador, estamos programados para sentir exatamente assim. E, claro, somos frutos da evolução. Reagimos de acordo com os algoritmos (a receita) com os quais fomos programados.

Mas… E se entra um elemento novo? Quantas vezes já não nos deparamos com ele e nos modificamos? Quando andávamos sobre quatro patas, devíamos achar legal olhar o mundo daquele ângulo. Até que… nos erguemos. Quando não escrevíamos – ou quando começamos a escrever –, achávamos muito bacana a transmissão oral do conhecimento – e seus encantos ainda persistem.

Acontece que mudamos. Para nos comunicar, incorporamos a escrita e a leitura – 86% dos humanos são alfabetizados, segundo o Banco Mundial e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), sobre dados de 2015. Isso não nos impediu de continuar usando a fala. Se nos encontramos, costumamos falar – e não escrever bilhetes. Sei que famílias estão se comunicando entre si, no mesmo ambiente, por meio do WhatsApp. Sério, francamente, não tenho certeza de que isso é ruim. É esquisito, é diferente, mas quando os membros dessa mesma família precisam do contato físico e do olho no olho – será que eles não reativam o modelo "analógico" ? Acho que sim. Pelo menos aqui em casa, funciona desse jeito.

Entre 2015 e 2018, pesquisei bastante sobre o tema para escrever um livro chamado Hipnotizados, o que nossos filhos fazem na internet e o que a internet faz com eles (Ed. Objetiva). Não tenho dúvidas de que o entretenimento e o conteúdo a que temos acesso hoje – móvel, contínuo – é hipnotizante e que, em alguns casos, leva de fato à dependência. Tenho certeza também que bebês  não deveriam estar colados no celular ou tablet. Que crianças devem ser estimuladas para brincar ao ar livre.

Mas tenho muitas dúvidas sobre a desumanização como resultado da comunicação digital. Acho que só largaremos nosso smartphone, ou qualquer outro substituto mais avançado, se acabar a luz e o wifi do mundo. Se isso não acontecer – bato na madeira –, vamos dar um jeito de continuar humanos. Mesmo que as pessoas mandem emojis e textos gravados quando seus amigos fizerem aniversário, em vez de fazer uma ligação. Ou mandar uma carta. Ou enviar sinais de fumaça.

Para se comunicar, para dizer que se importa com o outro, a gente sempre usou a ferramenta disponível à época . Pode ser um abraço apertado. Pode ser um vídeo à meia noite e meia. Na semana passada, vivi a inédita experiência de comemorar meu aniversário com o bolo a 10 mil quilômetros de distância. Meus filhos e minhas sobrinhas, fora do país, montaram uma mesa decorada, no centro um bolo de eclairs – que adoro. Por vídeo-mensagem, cantamos parabéns juntos. Embora eu não tenha conseguido provar do meu próprio bolo, foi emocionante.

Leia também: Os robôs devem ter os mesmos direitos que os humanos?Os pais estão perdendo o controle do grupo do WhatsApp da escola

Sobre a autora

Brenda Fucuta é jornalista, escritora e consultora de conteúdo. Autora do livro “Hipnotizados: o que os nossos filhos fazem na internet e o que a internet faz com eles”, escreve sobre novas famílias, envelhecimento, identidade de gênero e direitos humanos. Além de entrevistar pessoas incríveis.

Sobre o blog

Reflexões de uma jornalista otimista sobre nossa vida em comum

Blog Nós