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Brenda Fucuta

O que uma festa em família pode ensinar sobre a grande aventura no tempo

Brenda Fucuta

30/06/2019 04h49

 

iStock

Meus avós maternos nasceram no começo do século XX, em Minas Gerais. Com vinte e poucos anos, se casaram e deram início a uma família que hoje parece espantosamente grande, de treze filhos. Na época, era normal.

Doze destes filhos se casaram e também tiveram filhos, quintuplicando a família,  chegando a quase 70 integrantes. Éramos 43 primos em 1978, quando nos encontramos nas bodas de ouro dos meus avós.

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Quarenta e um anos depois, estamos juntos de novo, em um sítio no Mato Grosso do Sul. Em quatro décadas, o saldo é positivo: apesar de terem morrido onze, nasceram primos temporões, filhos e até netos de primos. Em 2019, éramos 241 descendentes de Maria e José, meus avós.

"Passei o dia explicando que sou fulano, marido de fulana, genro de sicrana. Já estou na dúvida: Quem sou eu mesmo?" Na roda de conversa, sentados em cadeiras de plástico, nos divertimos com o primo que muitos acabam de conhecer – embora ele esteja casado com minha prima há 27 anos. Sem querer, ele elaborou a principal pergunta deste encontro. Juntos, quem somos?

Nos espalhamos por nove estados do Brasil, em uma diáspora familiar. Em comum, talvez tenhamos herdado uma certa coragem desbravadora do avô. De resto, somos mestiços – pretos, amarelos, brancos, mulatos. Olhos verdes, azuis, pretos e castanhos. Somos católicos, evangélicos, espíritas e ateus. Santistas, corintianos, palmeirenses e são-paulinos. Ricos e pobres. Coxinhas e mortadelas.

Quando quatro gerações se encontram, acontece uma convulsão no tempo. Não somos mais velhos e adultos, não temos apenas três dias para passar juntos. Temos uma vida inteira do passado nos recebendo no presente – a memória das nossas histórias, os fragmentos de uma experiência comum. Nossas identidades de criança, compartilhadas por tios e primos, são convocadas a conviver com  o que nos tornamos.

Cada grupo traz o tempo que pode. O lento tempo dos mais velhos, o tempo sábio de quem não tem mais pressa. O tempo esperançoso dos primos, ainda casando e recasando, refazendo pactos com o futuro. O tempo acelerado das crianças, que correm para viver o presente.

Mais uma pergunta: será o tempo o grande senhor desta festa?

O anfitrião do encontro, de shorts e chinelo de dedos, lembra que nós, naquele momento, na condição de seres vivos, estamos tendo o privilégio de participar de uma grande aventura do tempo e do espaço, com a Terra e o Sol completando seus giros como os ponteiros de um relógio e a nossa galáxia numa viagem espetacular de 2 milhões de km por hora. Tudo está se mexendo em uma escala gigantesca, numa dança infinita do universo, enquanto nos lembramos de quem somos embaixo de uma árvore e ao lado de isopores de cerveja.

Quanto às minhas perguntas, meu tio diz para não me preocupar tanto, não precisamos compreender tudo. "Em termos de entendimento da vida e de seus mistérios, nós, humanos, conseguimos chegar até determinado ponto. Depois, a gente simplesmente existe." Ele tem 70 anos, é o mais novo dos filhos dos meus avós. Como professor de física, imagino que meu tio entenda de tempo e de espaço.

Então, pego uma cerveja e vou em direção à música e à fogueira. Meus primos estão celebrando os jovens que foram nos anos 1980, dançando no chão de terra pelo tempo que seu corpos aguentarem. Rendidos à condição de simplesmente existir.

 

Sobre a autora

Brenda Fucuta é jornalista, escritora e consultora de conteúdo. Autora do livro “Hipnotizados: o que os nossos filhos fazem na internet e o que a internet faz com eles”, escreve sobre novas famílias, envelhecimento, identidade de gênero e direitos humanos. Além de entrevistar pessoas incríveis.

Sobre o blog

Reflexões de uma jornalista otimista sobre nossa vida em comum

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