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Brenda Fucuta

A amizade entre as mulheres ainda é contaminada por inveja e julgamento

Brenda Fucuta

08/03/2019 05h00

Foto: Suhyeon-choi/Unsplash

Tem relacionamento mais bacana que a amizade? Amigos não brigam por dinheiro, não empurram a louça um para o outro, não se sentem na obrigação de fazer, juntos, as coisas chatas da vida.

A amizade não depende de gênero e a amizade, parece ser um presente dado a homens e mulheres sem distinção. Mas… para muita gente – arrisco dizer que para a maioria – a ideia do relacionamento entre as mulheres está contaminada por competição, desconfiança, inveja e julgamento.

"Mulheres são competitivas." "Entre mulheres, não há amizade de verdade." "Mulheres são amigas, até aparecer um homem no pedaço." Você já ouviu isso. Já pensou nisso. Talvez tenha falado isso porque acredita que seja verdade.

"Minha mãe, que hoje tem 72 anos, foi uma das primeiras mulheres a se desquitar no Brasil. Como era muito bonita, nunca mais foi convidada para um jantar na casa dos casais amigos. Ficou sozinha", conta uma mulher que entrevistei recentemente.

Felizmente, uma mulher que se divorcia, neste século 21, não é mais encarada como uma ameaça para as amigas casadas – como acontecia nos anos 70 e 80, época em que se separou a mãe da minha entrevistada. É possível que a mudança tenha acontecido porque o divórcio tenha se popularizado. Ou talvez haja um motivo mais positivo: as jovens estão descobrindo que sororidade não é palavrão.

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Sororidade é uma palavra que ressurgiu recentemente, na onda do novo feminismo. Descreve a solidariedade entre as mulheres. Soror, em latim, significa irmã e é usada até hoje para designar freiras. Apesar da palavra chatinha, o conceito é lindo: uma rede de apoio entre mulheres que, juntas, se ajudam, se respeitam e se fortalecem.

A ideia da rede tem potência. No trabalho, gera um clique em mulheres que acordam e passam a reconhecer a existência – nada ameaçadora – de outras mulheres. Isso é especialmente importante quando falamos da participação feminina em estruturas de comando – empresas, política, judiciário. Executivas da geração X – que nasceram nos anos 60 – tiveram muita dificuldade em "puxar outras mulheres para cima". Elas acreditaram que promover mais homens do que mulheres é apenas resultado da meritocracia. Não é. Tem a ver com a repetição de um modelo antigo. (Executivos tendem a promover pessoas parecidas com eles – e se temos maioria masculina no comando das empresas… É fácil concluir o que acontece.)

E vamos lembrar que a aliança feminina é boa para toda a sociedade, porque está mais do que provado que mulheres, quando enriquecem, nunca o fazem sozinhas. Elas ótimas em distribuição de renda.

Do ponto de vista pessoal, acreditar na aliança entre mulheres pode gerar mudanças incríveis. A gente não presta atenção, mas nossas amizades costumam estar envenenadas pelos vírus maliciosos do

– julgamento ("ah, mas você não dá limites para os seus filhos")

– da sutil depreciação "você está muito melhor agora que deixou de pintar o cabelo"

– da inveja ("estou muito feliz por você, mas…")

– da falsa escuta ("Se eu fosse você…")

E por que isso acontece? Não há, do ponto de vista científico, nenhuma evidência, nenhuma prova da suposta incapacidade feminina de criar vínculos sólidos com iguais. Ah, você pode pensar, somos competitivas porque na pré-história as mulheres precisavam disputar entre si o melhor caçador de mamutes. Era um jeito de garantir a sobrevivência da prole. Para quem pensa assim, vale lembrar que:

  • ter uma outra mulher a seu lado para dar à luz podia ser mais importante do que garantir o melhor caçador.
  • em termos de sobrevivência, a competição entre os humanos, homens e mulheres, sempre se mostrou menos eficiente do que a colaboração em grupo.
  • finalmente, não estamos mais na pré-história e uma das coisas que fazem o ser humano continuar vivo é sua capacidade de mudar, se adaptar.

A ideia da falta de solidariedade entre as mulheres é fake news, lenda urbana, algo que foi construído socialmente, nada inato. Por outro lado, por ser tão antiga, ficou registrada no inconsciente e na narrativa que contamos sobre nós mesmos.

Ei, sisters, sororidade não é utopia. Está na hora de deixar de olhar outras mulheres de cima pra baixo, de sentir medo de suas colegas, de julgar suas amigas. Feliz Dia das Irmãs!

 

Sobre a autora

Brenda Fucuta é jornalista, escritora e consultora de conteúdo. Autora do livro “Hipnotizados: o que os nossos filhos fazem na internet e o que a internet faz com eles”, escreve sobre novas famílias, envelhecimento, identidade de gênero e direitos humanos. Além de entrevistar pessoas incríveis.

Sobre o blog

Reflexões de uma jornalista otimista sobre nossa vida em comum

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