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Brenda Fucuta

Com quem você vai morar quando ficar velha?

Brenda Fucuta

16/02/2019 05h00

Foto: Matthew Henry/Unsplash

"Minha filha me convidou para morar com ela quando eu ficar velha", diz uma amiga.

Fofo, não é? Um gesto generoso e espontâneo da filha que se propõe a abrir espaço na vida para cuidar da mãe. Surpreendentemente, a amiga não se sentiu bem com a proposta. Grata, sim, mas não aliviada. Como dizer à filha que, apesar de amá-la e querer vê-la todos os dias, morar com ela nunca fez parte dos planos de velhice?

Minha amiga e eu começamos a pensar no planejamento do futuro, coisa que se evita ao máximo por vários motivos. Falar de futuro, aos 50 ou 60 anos, significa:

–       ser atropelado pelo inexorável. Sim, estamos muito bem, provavelmente muito melhor do que nossos antepassados estiveram na nossa idade. Mas ainda não conseguimos evitar a velhice e a morte.

–       Ser atropelado pelas finanças. Por melhor que você esteja – de cabeça e de corpo – chegará uma hora em que haverá limitações. Para continuar em sua casa, fazendo o que te dá na telha, você precisará pagar um exército de cuidadores: motorista, cozinheira, faxineira, enfermeiro, acompanhante.

Ah, se você não tem uma fortuna, terá três opções – todas insatisfatórias: morar com os filhos, caso tenha filhos, morar em uma clínica de repouso (que também custa muito dinheiro) ou morar sozinha (e seja o que Deus quiser).

Mulheres com esta idade são da geração Baby-Boomer ou da geração X, que nasceram nos anos 40 e 60. Elas invadiram o mercado de trabalho, sustentaram ou participaram do sustento de suas famílias, comandaram negócios e equipes. Uma boa parte delas criou seus filhos sozinha e outra boa parte cuidou dos próprios pais na velhice. Basta dizer que, depois delas, o papel das mulheres na sociedade deixou de ser submisso, dependente e de segunda classe.

Essas mulheres aprenderam a gostar de tomar decisões sobre sua vida. Não são mais os pais ou os maridos que decidem o que elas devem fazer. São elas próprias. Imagino, então, que para estas mulheres, pensar em ser cuidada por outros é algo mais difícil do que foi para as mães, avós e bisavós delas.

A luta pela independência foi a principal bandeira destas gerações. Abrir mão dela no final da vida é algo quase insuportável e, por isso, temos que buscar uma alternativa na qual este valor – o da autonomia – seja respeitado e mantido. Em qualquer condição ou idade.

Duas coisas iluminam nosso caminho. Primeiro, somos importantes: seremos a maior geração de idosos da história do país, o que significa que obrigatoriamente vamos ter assento no conselho que decide os rumos da sociedade. Finalmente, começo a ver o desejo por iniciativas  muito criativas para a convivência de idosos. Casas, vilas ou condomínios compartilhados por amigos da mesma faixa etária. Projetos que já estão em andamento e que pretendem suprir as principais necessidades dos moradores de uma maneira mais econômica – já que os custos dos cuidados serão divididos.

São ideias que precisam amadurecer para se transformar em uma opção real, claro. Mas se estas mulheres foram capazes de reinventar tantas coisas, por que não seriam capazes de também reinventar a velhice? Tomar vinho com uma amiga diante do pôr do sol me parece muito mais interessante do que ficar preparando brigadeiros para as festinhas de aniversário dos netos.

Sobre a autora

Brenda Fucuta é jornalista, escritora e consultora de conteúdo. Autora do livro “Hipnotizados: o que os nossos filhos fazem na internet e o que a internet faz com eles”, escreve sobre novas famílias, envelhecimento, identidade de gênero e direitos humanos. Além de entrevistar pessoas incríveis.

Sobre o blog

Reflexões de uma jornalista otimista sobre nossa vida em comum

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